segunda-feira, setembro 04, 2006

uma experiência cinematográfica jogável



Um dos exercícios mais simples e ao mesmo tempo mais complexos que se poderá colocar a um jogador, consiste em pedir que este resuma um videojogo numa só palavra. Se num inquérito realizado por Gonzalo Frasca ao seu grupo de amigos, permitiu-lhe concluir que "liberdade" foi a palavra atribuída a Grand Theft Auto 3 por ter reunido um maior consenso, o que dizer em relação a Max Payne? O que tornou este título numa aclamada e obrigatória referência num universo composto por milhares de diferentes videojogos? A resposta é muito simples: Cinema!
"Cinema" é a palavra que eu e muitos gamers usariam para melhor descrever este título. O que poderá parecer uma visão exagerada é facilmente explicada através da experiência de jogo que nos é oferecida...
O cinema hollywoodesco presente em todo o jogo, atinge o seu expoente máximo nos momentos de acção. Os constantes tiroteios e momentos em verdadeiro slow motion, aumentam a tensão e a adrenalina do jogador. Um policial bem ao estilo americano que nos permite avaliar até onde vai a vontade de vingança de um homem que de um dia para outro perdeu tudo o que de mais precioso tinha na vida. Durante o desenrolar da narrativa somos interrompidos por sequências ao estilo de banda desenhada, que dão um ambiente espectacular ao jogo, como se toda a sua atmosfera fosse criada inicialmente no jogador, aumentando, consideravelmente, a sua curiosidade de uma forma gradual. Galen Davis, numa interessante investigação intitulada Game Noir - The Construction of Virtual Subjectivity in Computer Gaming acrescenta que “esta forma de narrativa, assim como um film noir, reforça uma obscuridade psicológica não só de Nova Iorque, como do estado de espírito da personagem” (2002:20-21). É aqui que a acção jogável pára, e a narrativa passiva (re)começa...




A Rockstar desde sempre assumiu uma visão diferente na forma como aborda a temática dos videojogos, deixando bem vincadas as suas ideias radicais (criticadas pelas mentes mais retrogadas e conservadoras) as quais usualmente praticam. Os seus responsáveis têm assumido uma importância cada vez maior, conseguindo evoluir e dar uma nova perspectiva e uma maior seriedade aos seus títulos que apostam principalmente nos aspectos inovadores e nos diferentes rumos que traçam, ano após ano, para os respectivos géneros de videojogos. Max Payne não só revolucionou a concepção do videojogo, como aplicou diferentes elementos provenientes de várias Artes numa só totalidade virtual. Para além do Cinema também os Comics assumem uma importância redobrada na forma como aborda um argumento sólido na apresentação de uma contextualização lógica ao jogador. Todo o seu ambiente envolvente consegue de facto transmitir uma sensação de estarmos realmente a viver os diversos acontecimentos num sucessivo desenrolar de momentos de acção que nos torna não só protectores de Max como seus eternos cúmplices.
Max Payne, "ganhou" muitos fãs, devido a esta estratégia de fazer avançar a narrativa através da inserção de imagens estáticas em forma de banda desenhada, tendo resultado em todos os aspectos. Um videojogo para ser bom tem que ser, acima de tudo, divertido. Proporcionar uma experiência agradável e acrescentar à sua essência, uma certa mistura de diferentes conceitos, tanto ao nível cinematográfico como, neste caso em concreto, ao nível das bandas desenhadas. A banda sonora mais do que uma envolvência constante a uma ambiente nocturo, escuro... noir, assumiu uma sonoridade que vai de encontro ao rumo traçado por todos os restantes elementos, dando uma maior amplitude significativa na forma como nos é apresentado o estado de espírito preenchido por uma dor (pain) aguda e penetrante que assombra o passado recente de Max Payne
.
Mas para não alargar muito mais este artigo, concentremo-nos apenas na área do cinema e vejamos o exemplo do filme The Matrix (1999), realizado pelos irmãos Wachowski que, segundo Steven Poole, aborda o conceito de realidade virtual como se fosse algo relativamente antigo. O verdadeiro interesse nessa realidade virtual é a forma como diferentes personagens conseguem superar determinados obstáculos, tendo em consideração aquilo que realmente acreditam como sendo signos do real, do mundo exterior à realidade virtual (Trigger Happy
, 2000:87). Para recriar determinados aspectos presentes nessa realidade virtual, foram usadas inúmeras CGI (Computer Generated Images) como complemento aos efeitos especiais presentes no filme. A possibilidade de Neo (Keanu Reeves) poder desviar-se das balas apenas com movimentos do seu corpo, levou os irmãos Wachowski a inserirem sequências em slow motion, permitindo ao espectador assistir ao trajecto das balas e à forma como Neo se consegue desviar das mesmas. Neste caso, as CGI complementaram os efeitos especiais na forma como conseguiram captar algo que o olho humano não consegue, bem como as acrobacias de Neo a realizar movimentos que na realidade jamais seriam possíveis, ainda para mais sabendo que Neo consegue sair ileso da situação. Este tipo de efeitos especiais, foi o ponto alto do filme The Matrix, tendo conseguido inovar com a inserção de um novo conceito, que iria ser posteriormente conhecido como bullet time. De facto, devido ao grande sucesso deste filme, não tardou que este tipo de elemento fosse também abordado no panorama dos videojogos. Aliás, se The Matrix, aborda alguns aspectos aliados ao paradigma dos videojogos, tornou-se clara a ligação ao mundo virtual, e a técnica do bullet time foi bem aproveitada pela equipa da Remedy Entertainment. Se fizermos uma ponte de ligação entre The Matrix (1999) e o videojogo Max Payne, algumas semelhanças tornam-se óbvias e a técnica bullet time surge como uma clara referência ao filme dos Wachowski. Sendo um TPS (Third Person Shooter), Max Payne, para além de muitos outros aspectos, possui uma nova acção que é possível ser desempenhada (pelo jogador) ao longo da sua jogabilidade. O bullet time, não é nenhum poder especial, nem nenhuma arma poderosa, mas sim uma forma do jogador poder controlar o tempo e o ritmo da acção. A grande vantagem desta função consiste em tornar mais fácil ao jogador desviar-se da trajectória das balas, bem como alvejar com maior precisão os inimigos presentes no ecrã de jogo.



No site oficial de Max Payne, a equipa da Remedy Entertainment publicou um pequeno texto acerca do sucesso do videojogo. Desde o início que o principal objectivo da Remedy consistiu em criar um jogo de acção verdadeiramente frenético. Para isso, foi preciso encontrar um ponto de equilíbrio resultante na combinação de ideias inovadoras, conteúdo de qualidade, tecnologia como um estado de arte e – o mais importante – as pessoas certas para finalizar uma importante totalidade.
Neal McGann, na sua tese (Watching Games and Playing Movies), analisa a forma como o cinema e os videojogos se influenciam mutuamente. Para McGann, “à medida que os jogos vão evoluindo, tem-se tornado mais fácil e mais atractivo copiar o cinema” (2002:25). Contudo esta sua afirmação não se poderá aplicar a Max Payne que não abandonou a sua individualidade como videojogo, tendo apenas trabalhado e acrescentado inúmeros elementos provenientes de diversas Artes que deram uma maior substância e riqueza não só a um nível estético como principalmente a um nível funcional. Mais do que ver Cinema num monitor de um computador, o jogador consegue jogar, pensar e explorar inúmeros conceitos da 7ª Arte reunidos num só título que nos apresenta fragmentos cinematográficos totalmente jogáveis...