quarta-feira, dezembro 02, 2009

bottle bank arcade machine

"O jogo começa e, num dado momento, "acaba". Joga-se a si mesmo até ao fim. Enquanto se desenrola, tudo é movimento, troca, alternância, sucessão, associação, separação. Mas, conotado com as suas limitações no tempo, o jogo apresenta um outro aspecto curioso: assume imediatamente uma forma fixa enquanto fenómeno cultural." (1)



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(1) HUIZINGA, Johan (2003), Homo Ludens, Lisboa: Edições 70, p. 26.
Bottle Bank Arcade Machine, vídeo do site The Fun Theory. A visitar este e outros projectos em: thefuntheory.com

segunda-feira, novembro 23, 2009

da mediatização ao videojogo



Depois da cabeçada de Zidane a Materazzi ou do lançamento do sapato a George W. Bush por parte de um jornalista iraquiano durante uma conferência em Bagdad, surge agora o videojogo do polémico episódio da mão do jogador Thierry Henry no empate frente à Irlanda que permitiu à França qualificar-se para o Mundial da África do Sul em 2010.
De facto, nos últimos anos muitos episódios mediáticos têm vindo a servir de base para a construção deste tipo de videojogos de consumo rápido. Com maior ou menor polémica, todos eles demonstram claras potencialidades comunicativas tanto ao nível da sua capacidade de transfiguração como também ao nível de durabilidade quando comparados às notícias televisivas ou escritas.


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Ajudem Henry a qualificar a França aqui: Thierry Henry - Jeu de main - Le Jeu!

quarta-feira, novembro 04, 2009

os heróis que completamos *







Muitos dos títulos actuais apresentam-nos protagonistas com a cara escondida por detrás de máscaras ou capacetes. Ninja Gaiden e Halo são apenas alguns desses exemplos. Este “hero without a face” é para Nic Kelman (2005: 46) um interessante elemento nos videojogos na medida em que fornecem ao jogador a liberdade de imaginar e de construir a sua própria persona. Também em variados FPS’s, o jogador nem sempre vê o personagem que controla, podendo resultar num maior grau de imersão enquanto caminha de arma em punho pelos cenários do jogo. Kelman realça também personagens como The Guy de GTA 3 por ser muito genérico, sem poderes especiais, armamento base ou especialidades – o mais comum dos heróis (2005: 46). O facto de não ter nome e de se manter mudo até ao final do jogo, permite que o jogador complemente esses “vazios” com fragmentos da sua própria personalidade. The Guy fornece-nos o corpo virtual e nós fornecemos as instruções, orientações, raciocínio e personalidade, resultando num herói comum, único e variável de jogador para jogador.
Como leitores e autores que somos de um videojogo, temos a possibilidade de interpretar e completar “buracos” narrativos através do nosso activo e constante potencial imaginativo através de um processo constante de troca de informação não só físico como mental, o que envolve uma complementaridade mútua ao longo da aprendizagem que retiramos das nossas experiências individuais.


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Referências bibliográficas:
KELMAN, Nic (2005), Video Game Art, New York: Assouline Publishing.
* Texto editado a partir do artigo original publicado na revista Hype, n.º 4 de Dezembro de 2007, p. 10.

quarta-feira, setembro 23, 2009

ESA: factos essenciais da indústria










Encontra-se online o último estudo da ESA - Entertainment Software Association intitulado "Essential Facts About The Computer And Video Game Industry" que embora não apresente variações significativas em determinados parâmetros face ao ano transacto, para os mais distraídos, alguns valores poderão continuar a surpreender.

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Vejam o resultado do estudo em formato PDF em: www.theesa.com/facts/pdfs/ESA_EF_2009.pdf.

quinta-feira, agosto 27, 2009

WET: reflexões prévias








"Lock, Load, And Live to Tell About It!"

Depois de alguns meses com poucas novidades, parece ter chegado o momento em que os jogadores são completamente entupidos com novas e constantes demos de títulos à muito anunciados. Ainda assim, e no meio de bastante mediocridade, experimentei finalmente a demo de WET (Artificial Mind and Movement). Um título que transpira cinematografia de Tarantino de todos os seus poros. Tendo sido Kill Bill a principal e mais que óbvia inspiração bem como as imagéticas de Grindhouse, a demo de WET conseguiu atingir o meu grau de expectativas. Não esquecendo que a demo corresponde apenas a uma parte integrante do jogo, arrisco dizer que estamos na presença de algo especial. Os videojogos não precisam de ser foto-realistas, complexos ou profundos para serem considerados obras artísticas intemporais.
Em WET,a intensidade da acção, a aposta numa estética retro a lembrar alguns dos clássicos do cinema western, a sonoridade rock indie dos anos 70 e as sequências originais de cores aguerridas que ilustram momentos de maior raiva da protagonista Rubi, cada vez mais me convencem que os videojogos conseguirão, se as produtoras responsáveis assim o entenderem e quiserem, transmitir, a par do cinema, uma magia que embora subjectiva tende a permanecer eternamente na memória de cada um, independentemente dos graus de violência explícitos ou subentendidos num humor irónico e estimulante. WET assim o promete!




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Data de lançamento: 15 de Setembro.
Site oficial:
wet.bethsoft.com.
Todas as imagens foram retiradas do site oficial: WET © 2009 Artificial Mind and Movement Inc.

sexta-feira, julho 17, 2009

level #3 completed!



O Pensar Videojogos comemora hoje o seu terceiro aniversário. Um ano com um menor número de actualizações devido aos novos jogos de uma vida repleta de desafios. Preparam-se momentos críticos e decisivos numa longa mas estimulante caminhada. Como os bosses que teremos de enfrentar nos finais de cada nível, preparo-me mentalmente para jornadas de avaliação dos vários trabalhos que tenho vindo a desenvolver. O objectivo é prosseguir para o nível seguinte, acompanhar a intensa exploração criativa e cultivar novas perspectivas que ajudem a teorizar reflexões enquanto jogo e penso sobre videojogos.

É bom saber que em Portugal o interesse sobre videojogos e, sobretudo, sobre aquilo que eles nos têm para oferecer, comunicar e ensinar continua a marcar forte presença. Por isso, aproveito para deixar a todos os visitantes e leitores o meu profundo agradecimento, principalmente aos que me deixam comentários críticos, construtivos e sugestivos em diversas matérias. Obrigado por me terem ajudado a chegar até aqui e por me acompanharem ao longo destes anos...

... siga para o nível seguinte! :)

quarta-feira, junho 17, 2009

futuro dos videojogos? - parte II





No seguimento do anterior post, Ana Oliveira, jornalista do Canal UP - Universidades e Politécnicos, contactou-me via email solicitando um comentário a quatro questões para um trabalho que estava a ser desenvolvido "no sentido de perceber quais as tendências das editoras de videojogos, as estratégias adoptadas e os desafios que se lhes colocam".
Também com comentários de Luís Pereira (CECS) e Rui Prada (IST), a matéria essencial exposta no trabalho poderá ser lida aqui:
"Microsoft entra no mercado dos jogos sem comando: editoras adoptam novas estratégias para chegar a mais público".

quarta-feira, junho 03, 2009

milo e o futuro dos videojogos?





Segundo Umberto Eco, "as poéticas contemporâneas, ao proporem estruturas artísticas que exigem um especial empenhamento autónomo do fruidor, muitas vezes uma reconstrução, sempre variável, do material proposto, reflectem uma tendência geral da nossa cultura para aqueles processos em que, no lugar de uma sequência unívoca e necessária de acontecimentos, se estabelece como que um campo de probabilidades, uma «ambiguidade» de situação, capaz de estimular escolhas operativas ou interpretativas sempre diferentes" (1).
Os videojogos desde muito cedo demonstraram essa capacidade interactiva única como potencialidade. Ainda assim, as interpretações, sendo autónomas, partem das intenções, acções e recriações dos jogadores. O conceito de Obra Aberta de Eco procura transmitir um clara e necessária «ambiguidade» baseada nas experiências culturais de cada um. Uma capacidade única e exclusiva dos jogadores que como fruidores poderão demonstrar através da flexibilidade operativa explícita no rumo já definido para um dos potenciais futuros dos videojogos. Uma "remoção gradual dos interfaces" (2) e uma maior imersão visual, conceptual e emotiva do jogador em representações virtuais, permitindo maior proximidade e abertura a múltiplas ideias, interacções e leituras num processo de (re)criações que se pretende inesgotável face à capacidade imaginativa do ser Humano.





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(1) ECO, Umberto (2009), Obra Aberta, Difel: Lisboa, p. 121.
(2) KERCKHOVE, Derrick de (1997), A Pele da Cultura - Uma Investigação Sobre a Nova Realidade Electrónica, Lisboa: Relógios D'Agua Editores, pp. 83-4.

segunda-feira, maio 18, 2009

david perry on videogames

"About this talk: Game designer David Perry says tomorrow's videogames will be more than mere fun to the next generation of gamers. They'll be lush, complex, emotional experiences -- more involving and meaningful to some than real life."

terça-feira, abril 28, 2009

cineplay, cinegamers *

“No cinema, o mundo é projectado para a pessoa enquanto que no videojogo a pessoa é projectada para dentro do mundo.” (1)







A linguagem cinematográfica nos videojogos expandiu-se de tal forma que são já muitos os diferentes géneros que nos apresentam transfigurações de elementos dignos da sétima arte. Still Life é um dos exemplos que se inspirou e se apoiou numa forte vertente cinematográfica tornando-se essencial na forma como assegura a projecção do jogador num ambiente sinistro.
Se “as narrativas de muitos jogos contêm mistérios inspirados nos enredos de Hollywood” (2), Still Life não é excepção. O jogo psicológico resultante na viagem à mente perturbada de um criminoso artístico engrandece de forma recalcada os pequenos "nadas" deixados ao acaso na cena do crime, anunciando a visão enlouquecida do perturbado final que tentamos evitar. Como espectadores assistimos a diversas cut-scenes e como jogadores exploramos cenários vezes sem conta. A jogabilidade é confrontada com a incorporação de “qualidade fílmica no videojogo” (3), no sentido de acrescentar e nunca de substituir, proporcionando um aumento da experiência total que tende a ultrapassar aquela que o cinema já conseguiu oferecer.
Mais do que gamers, assumimos uma dupla mecanização, física-mental, activa-passiva, complementada por uma notória estética-funcionalidade da linguagem cinematográfica, sendo estas dicotomias o ponto de partida para o alargamento do já complexo conceito de gameplay numa espécie de cineplay onde nós, mais do que gamers, somos autênticos cinegamers porque jogar implica também ver e contemplar.

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* Artigo publicado na revista Hype! n.º6 de Março de 2008.
(1) POOLE, Steven (2000), Trigger Happy: The Inner Life of Videogames, London, Fourth Estate Limited, p. 98.
(2) JOHNSON, Steven (2006), Tudo o Que é Mau Faz Bem, Porto, Edições ASA, p. 49.
(3) MCGANN, Neal (2003), Watching Games and Playing Movies: The Influence of Cinema on Computer Games, Masters Thesis, Dublin Institute of Technology, p. 40.

sábado, março 14, 2009

voices of war doc

"Outstanding marines, out-fucking-standing!!" (Sgt. Roebuck)

Com a evolução abrupta dos videojogos nos últimos anos, tornou-se praticamente inevitável as trocas e influências com outras artes. A indústria cinematográfica em muito tem contribuído para grandes produções videojogáveis, onde o trabalho de grandes actores se tem vindo a destacar, elevando os seus resultados finais a patamares de grande qualidade.
Call of Duty: World at War conta com as vozes de grandes talentos como Kiefer Sutherland (Roebuck) e, especialmente, Gary Oldman (Reznov), que desempenham trabalhos notáveis ao longo das várias missões presentes na campanha. Para além dos gráficos, da jogabilidade e da intensidade sentida nos diferentes cenários de guerra, esta componente artística serve, sem dúvida, como um atractivo extra para quem procura uma maior credibilidade nas personagens virtuais que os videojogos nos apresentam.


domingo, fevereiro 08, 2009

horde mode: "cooperação estratégica"

"And the other thing about football is we send our kids out to play football or soccer or swimming or whatever it is, and it’s the first example of what I’m going to call a head fake, or indirect learning. We actually don’t want our kids to learn football. (...) But we send our kids out to learn much more important things. Teamwork, sportsmanship, perseverance..." (1).



O modo "Horde" de Gears of War 2 resulta numa interessante extensão do jogo proporcionando experiências diferentes em cada partida disputada, devido, sobretudo, às inúmeras variáveis que condicionam as acções dos jogadores perante a flexibilidade das estratégias tomadas em relação ao desenrolar dos acontecimentos no ecrã.
Uma equipa até cinco jogadores terá que combater num determinado e limitado mapa cinquenta waves de Locust (nome dos alienígenas do jogo). À medida que cada wave vai sendo superada a dificuldade vai aumentando gradualmente, tornando o desafio bem mais complexo. O objectivo consiste em terminar as cinquentas waves seguidas com a maior pontuação possível sem que em nenhuma delas todos os elementos da equipa sejam eliminados. Esta filosofia arcade procura enaltecer ainda mais a acção de Gears of War 2 bem como explorar e confrontar diferentes estratégias, cooperações e competições. Esta ideia é salientada por Katie Salen e Eric Zimmerman que referem que "todos os jogos são sempre competitivos" uma vez que "envolvem um conflito que poderá ocorrer directamente entre os jogadores ou entre os jogadores e as actividades apresentadas no sistema de jogo" (2). Em Horde, a cooperação apenas reside entre os elementos da equipa uma vez que terão que competir contra adversários controlados através de inteligência artificial.



Tendo ou não grande habilidade a jogar Gears of War 2, neste modo, o trabalho de equipa acaba por ser o factor determinante para a vitória e o uso dos headsets da consola um canal que permite facilitar o diálogo e a comunicação entre os jogadores no interior da arena de jogo, proporcionando uma melhor coordenação na distribuição das tarefas da equipa. Este tipo de comunicação alarga ainda mais o conceito de interactividade e de "telepresença" enunciado por Pierre Lévy na sua obra referindo-se às comparações, vantagens e desvantagens entre o telefone e o videojogo (3). A comunicação entre jogadores, apesar de ser um factor externo, acaba por ter grande influência e implicações no interior do jogo. O diálogo torna-se informação e assume, na maior parte das vezes, um carácter indicial na forma como condicionam a própria jogabilidade. Deste modo, a comunicação verbal e imagética permite uma maior interactividade, conectividade, imersão, experiência, conhecimento, pensamento lógico, estratégico e abstracto o que acaba por conduzir indubitavelmente à noção de literacia - aquilo que no contexto virtual distingue as nossas representações/projecções claramente da inteligência artificial implementada no sistema de jogo.





Outro elemento importante diz respeito à rápida adaptabilidade dos jogadores. Devido à crescente dificuldade que se vai notando ao longo da jogabilidade, manter a equipa unida e intacta nem sempre é possível. Procurar munições, dispersar as atenções dos adversários ou sacrificar um elemento em prol da progressão dos níveis acaba por ser, por vezes, a solução necessária para garantir o sucesso. A crescente e notória variação dos jogadores que sobrevivem a cada nível sugere uma constante adaptabilidade que obriga os jogadores a pensar e a redefinirem múltiplas e diferentes abordagens em períodos de tempo cada vez mais curtos.
Para quem já teve a oportunidade de jogar Horde, sabe que existem cinco waves (10, 20, 30, 40 e 50) que requerem especial cuidado na abordagem ao jogo por parte da equipa uma vez que são as que finalizam um grau de dificuldade e, dessa forma, são compostas por um maior número de inimigos mais resistentes e letais. São principalmente estes níveis os verdadeiros testes de resistência que maior impacto causam na equipa e que melhor avaliam o seu desempenho geral. Sempre que se aproxima uma dessas waves, e ciente da sua dificuldade acrescida, é interessante verificar os jogadores a explorarem os diferentes cenários à procura de um local mais protegido onde possam tirar vantagens face aos adversários, discutindo os pontos fortes e fracos de cada um deles, negociando experiências anteriores, sucessos e fracassos. Escolhido o local, é preciso encontrar armas eficazes, ocupar diferentes posições e defender a equipa. Segundo a ideia inicial deixada por Randy Pausch, é importante realçar os principais valores assimilados numa "aprendizagem indirecta" mesmo em videojogos polémicos como Gears of War 2 pois o mais importante no modo Horde não se resume ao facto de o finalizar mas sim em aprender, compreender e fomentar o trabalho de equipa, de interajuda e de responsabilidade de tarefas, conseguindo equilibrar o desafio numa cooperação estratégica bem mais complexa do que a ilusória simplicidade - geralmente associada a este género de videojogos - de disparar em tudo o que se mexe no ecrã.


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(1) PAUSCH, Randy (2007), Randy Pausch's Last Lecture: Really Achieving Your Childhood Dreams [Vídeo] [PDF].
(2) SALEN, Katie e ZIMMERMAN, Eric (2004), Rules of Play: Game Design Fundamentals, Cambridge: The MIT Press, p. 225.
(3) LÉVY, Pierre (1997), Cibercultura, Lisboa: Instituto Piaget, pp. 85-86.

terça-feira, janeiro 06, 2009

o jogo do ano!

Para além de qualquer questão técnica relativamente a um videojogo, existe sempre o seu potencial artístico que procura despertar um novo olhar, num apelo incessante aos nossos sentidos, remetendo-nos para a contemplação. A subjectividade da Arte encontra-se num filme que vemos, num quadro que admiramos, num livro que lemos, num videojogo que jogamos. Toca-nos e não se perde. Permanece e não se esgota.

O autor Roland Barthes na sua obra A Câmara Clara faz a mesma analogia em relação à Fotografia. Para Barthes "a palavra mais adequada para designar a atracção que certas fotografias exercem (...) era aventura. Uma determinada foto acontece-me, uma outra não" (1). Nesse sentido, e apesar de lançamentos de títulos como Grand Theft Auto IV, Gears of War 2, Metal Gear Solid 4, Fable II, Guitar Hero: World Tour entre muitos outros (grande maioria sequelas), o destaque do ano transacto vai para o jogo que ofereceu uma experiência inovadora, única e diferente das restantes: Mirror's Edge - uma aposta de risco da produtora Digital Illusions na criação de uma obra com inúmeras fontes de inspiração relativas às mais diversas áreas artísticas e conceptuais.



A acção de Mirror's Edge é contextualizada numa cidade vigiada por um feroz sistema ditatorial que controla todos os dados e informações circundantes, exercendo uma forte política de inquisição. Transportado para este cenário, o jogador terá que controlar Faith (fé?), uma estafeta que procura contrariar o fluxo ditatorial implantado na cidade através do Parkour, uma actividade desportiva ainda em ascenção permitindo [em Mirror's Edge] explorar e abordar os espaços urbanos, transformando possíveis obstáculos em oportunidades de fuga.

A sua jogabilidade é claramente inspirada em Breakdown (Namco, 2004), onde a ideia do jogador ver através dos olhos do personagem é levada ao extremo. Segundo Bob Bates "os jogos com perspectiva first-person tendem a ser mais imersivos (...) havendo uma maior sensação se presença 'no mundo', uma vez que o jogador vê e ouve juntamente com o seu personagem" (2). Mirror's Edge, procura enaltecer um maior realismo através da representação das turbulências visuais derivadas às rápidas movimentações de Faith, num ritmo, por vezes, frenético que obriga o jogador a um maior esforço de concentração e coordenação.








Just sunshine And blue sky That's just how it goes For living here

A sua dimensão pragmática transporta o jogador para um panorama futurista a lembrar obras cinematográficas como Johnny Mnemonic (1995), The Matrix (1999) ou Equilibrium (2002) do realizador Kurt Wimmer, onde mais do que uma prisão física é reforçada uma prisão emocional que nos direcciona para uma perspectiva de um vazio frágil e frio do ser Humano manipulado e perseguido.
"O vazio - a não cor - constituiu um factor essencial do sistema. Se o vazio domina a composição, qualquer das três cores primárias puras (o azul, o vermelho e o amarelo), separadas por grossos traços negros, verticais ou horizontais, pode assumir um indiscutível papel de protagonista" (3).

A sua simplicidade estética traduzida pela dicotomia ausência/presença de cores, poderá sugerir constantes jogos psicológicos em relação às inúmeras dualidades do Homem: bom/mau, rico/pobre, alegre/triste, crente/não-crente, perseguidor/perseguido. Este conjunto de oposições binárias é essencial na forma como enfatiza a compreensão da linguagem através de "gerador de significados" onde "o significado de 'escuridão' é relativo ao significado de 'luz'" (4).
Os seus fortes contrastes alteram-se dinamicamente ao longo dos vários níveis onde o espectro de cores primárias eleva a sua presença através de simples formas geométricas pautadas pelo equilíbrio das suas linhas horizontais e/ou prependiculares (mais uma vez um jogo de contrastes!). A sua arte abstracta geométrica claramente inspirada nas composições de Piet Mondrian (1872-1944) elevam as dimensões artísticas de Mirror's Edge a um outro patamar distante e não compatível com os restantes títulos.








No shadows Just red lights Now I'm here to rescue you

A protagonista Faith é o complemento perfeito no interior do sistema de cores apresentado. O seu vestuário (preto e branco) funciona como ausência de cor enaltecendo o vermelho das sapatilhas e da luva da mão direita como elementos interactivos nos seus vários percursos urbanos.
Todos os caminhos que o jogador deve seguir encontram-se marcados a vermelho, funcionando claramente como índices de perigo/obsctáculo/fuga denotando uma força imagética no interior da ampla paisagem urbana, palco dos conflitos e acções ao longo dos vários níveis. Este percurso indicial adopta parte da categorização dos signos do modelo de categorização dos signos apresentado por Charles S. Peirce (1983-1914) na forma como cria uma "ligação directa" (5) entre os vários significantes espalhados no ecrã do jogo com o significado (progressão) da respectiva jogabilidade.








I will move fast I will move slow Take me where I have to go

Em relação à sua sonoplastia, o principal foco é a música e a força com que assegura a totalidade à qual pertence, com uma variação de ritmos que complementa na perfeição as acções no decorrer dos níveis. Das fases de exploração pausada do cenário às fases de intensas fugas às forças policiais, os diferentes ritmos das músicas fortalecem a variação constante de abordagens necessárias ao jogo. A faixa "Still Alive" de Lisa Miskovsky torna possível a difícil tarefa de reunir e transformar toda a essência e filosofia por detrás de Mirror's Edge numa reflexão metafórica em relação aos mitos resultantes das ténues fronteiras que limitam e separam/aproximam as dicotomias diferenciais presentes na nossa evolução enquanto sociedade, cultura e vivências.






Mirror's Edge não é uma obra perfeita, nem uma obra pensada para as grandes massas. A sua essência prima pelo carácter inovador e pela unidade sígnica amplamente complexa a vários níveis de desconstruções semióticas, proporcionando uma experiência diferente através de uma perspectiva first-person pensada para novas abordagens. Mirror's Edge é, sem dúvida, um prefácio videojogável de um projecto que espera por futuros capítulos com fortes alicerces que permitam aprofundar as pontes de ligação multidisciplinares já criadas, para um debate aberto, crítico, artístico e, sobretudo, maduro. Mirror's Edge acontece-me!





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(1) BARTHES, Roland (2001), A Câmara Clara, Lisboa, Edições 70, p. 37.
(2) BATES, Bob (2004), Game Design - Second Edition, Boston, Thomson Course Technology PTR, p.39.
(3) PIJOAN, J. (1972), História da Arte - Volume 9, Barcelona, Salvat Editores, p. 223
(4) CHANDLER, Daniel (2007), Semiotics The Basics, New York, Routledge, p. 91.
(5) ibid., p. 37.