quinta-feira, setembro 14, 2006

Still Life: o alargar da jogabilidade



Os videojogos de aventura, geralmente conhecidos por uma mecânica simples de click and go (1), apesar de não serem os preferidos pela maioria dos gamers, têm conseguido despertar-me algum interesse na forma como determinados títulos do género são apresentados. Recentemente, tive a oportunidade de experimentar Still Life (MC2, 2006), que transporta o jogador para um ambiente sinistro. É exímia toda a envolvência criada em torno de uma intensa perseguição a um serial killer, bem como os constantes feedbacks que nos vão complementando a história principal em pequenos fragmentos narrativos presentes numa sequência passiva ao jogador, decorada com uma estética cinematográfica de elevada qualidade. Quanto ao argumento, vê-se que existiu uma enorme preocupação em solidificar e tornar credível um desenrolar de acontecimentos que vai criando no jogador uma maior sensação de imersão no produto, na jogabilidade e, principalmente, na sua história. Contudo, neste artigo, prefiro levantar uma questão que considero importante, na medida em que a experiência de um videojogo, não passa apenas e só pela jogabilidade, mas também - e neste caso ainda mais - pelas diversas cut-scenes que vão interrompendo a jogabilidade propriamente dita. Se num artigo anterior fiz referência à experiência cinematográfica jogável presente em Max Payne, em Still Life essa experiência transforma o jogador num mero espectador. Não existe qualquer tipo de jogabilidade nas várias cut-scenes, nem se quer nos é dada a hipótese de escolha. Tornamo-nos passivos a uma narrativa imposta, assim como no cinema. A sensação de revolta durante toda essa passividade, transforma-se, por vezes, numa repugnância exageradaramente explícita que vai sendo apresentada nos actos cruéis e doentios que fazem das personagens principais, isto é, do próprio jogador que as controla, a principal vítima. Todo o jogo psicológico resultante numa viagem à mente perturbada de um criminoso artístico, engrandece a forma recalcada com que os pequenos "nadas" deixados ao acaso numa cena do crime tendem a dar uma visão enlouquecida de um perturbado e nocturno final que tentamos a todo o custo evitar. Como espectadores, assistimos a diversas cut-scenes e como jogadores exploramos cenários vezes e vezes sem conta. Esta dupla funcionalidade, pode parecer estranha para algumas pessoas, mas para outras, a forma como é trabalhada e apresentada, acaba por ser bem aceite e interiorizada. Neal McGann refere que as cut-scenes "têm vindo a ser usadas pelos designers para incorporar qualidade fílmica no videojogo, acabando por diminuir a sua jogabilidade" (Watching Games and Playing Movies, 2003:40). Sinceramente não sei até que ponto o tempo de jogabilidade poderá ser afectado, o que sei é que a experiência de jogo, isto é, a experiência adquirida na sua totalidade, acaba por aumentar consideravelmente. Em Still Life, mais do que gamers, assumimos claramente uma dupla mecanização, física-mental, activa-passiva, complementada por uma mais que notória estética-funcionalidade da linguagem cinematográfica. Os actuais videojogos têm vindo a aprofundar e explorar este tipo de dicotomia e o já complexo conceito de gameplay tenderá a alargar-se, cada vez mais, numa espécie de cineplay, onde nós, mais do que gamers passaremos a ser autênticos cinegamers...

(1) A interactividade do jogador com o cenário é feita através do ponteiro do rato. É preciso explorar todo o ecrã de forma a encontrar caminhos por onde seguir, objectos espalhados pelo cenário possíveis de serem recolhidos ou determinados locais em que seja possível efectuar algum tipo de acção.
Quando o jogador passa com o ponteiro por cima de algum ponto do cenário em que seja possível a interactividade, o ponteiro tende a mudar ligeiramente. Normalmente ganha algum tipo de animação.