quarta-feira, agosto 29, 2007

more co-op design please



O acto de jogar um videojogo, assim como ler um livro ou ver um filme, pode ser entendido como uma prática que requer algum isolamento e determinadas regras. Quando vamos ao cinema queremos, acima de tudo, assistir a um filme nas melhores condições possíveis e num ambiente silencioso que nos permita um maior grau de concentração e de absorção. Numa biblioteca existem regras claras que necessitamos de respeitar, de maneira a podermos disfrutar de uma leitura atenta e fluída de um livro. O mesmo se poderá aplicar ao acto de jogar um videojogo. Para James Paul Gee (1) "quando as pessoas aprendem a jogar videojogos, aprendem essencialmente uma nova literacia" (2003: 13) que acaba por se tornar bem mais complexa à medida que se vai adquirindo novas experiências. Segundo Steven Johnson (2), enquanto que ao ler um livro "só uma pequena parte do cérebro dedicada ao processamento da linguagem escrita é activada (...) os jogos ocupam todos os córtices sensoriais e motores" (2006: 29). Jogar implica ler e analisar, efectuar escolhas, premir botões, construir um fio condutor e interpretar o seu resultado, num processo interactivo que requer uma negociação constante e praticamente infinita. Mais do que uma aprendizagem representada pelo acto individual de jogar, este tipo de "literacia" tem vindo a conseguir distanciar-se, cada vez mais, da ideia inicial de isolamento acima referida, uma vez que muitos dos videojogos actuais têm solidificado uma tendência geralmente apreciada nas opiniões da maioria dos jogadores: o design cooperativo num modo a solo.





Em Gears of War, podemos jogar toda a campanha com um amigo (3) ou sozinhos, sendo que neste último caso o computador assume o controlo do segundo jogador. Army of Two é outro dos títulos a ser lançado brevemente que, assim como Gears of War, conta também com um claro design cooperativo pensado para dois jogadores ou um mais o computador ao longo das missões. Existem outros videojogos que, apesar de não evidenciarem uma cooperação tão notória ao nível do design, apresentam-nos vários personagens que nos acompanham ao longo dos níveis como Freedom Fighters, Halo, Call of Duty 2, Black, entre muitos outros, que acabam por atenuar a sensação de isolamento que jogar um videojogo poderia causar no jogador. Em Call of Duty 2, a presença constante de vários soldados - para além da indispensável ajuda que proporcionam - reforça um maior realismo, na medida em que a II Grande Guerra nunca poderia ter sido ganha por exércitos compostos por um único elemento.







São muitos os videojogos que jogamos sozinhos mas ao mesmo tempo acompanhados por personagens virtuais que nos ajudam, nos protegem e que contam connosco para funcionar em equipa. Este design cooperativo não se quer limitado em acções individuais, mas sim complementado em acções colectivas, assumindo, inevitavelmente, uma cumplicidade coordenada do início ao fim.
Mais do que um percurso meramente literário, ficcional ou interactivo, jogar um videojogo acaba por resultar numa reciprocidade imersiva superior àquela que nos é oferecida pelos filmes ou livros...

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(1) GEE, James Paul (2003), What Video Games Have To Teach Us About Learning And Literacy, New York, Palgrave Macmillan.
(2) JOHNSON, Steven (2006), Tudo o Que é Mau Faz Bem, Porto, Asa Editores.
(3) Na mesma consola ou em modo multiplayer.

quinta-feira, agosto 16, 2007

mais próximo do cinema...









Stranglehold é o título que promete aproximar ainda mais os videojogos do cinema e do melhor que os filmes de acção nos conseguem oferecer.
Com argumento e realização de John Woo, participação do actor Yun-Fat Chow e uma mecânica de jogo alargada ao estilo inconfundível que imortalizou Max Payne, Stranglehold parece ir ao encontro de uma totalidade que tentará aglutinar referências do melhor que o cinema e os videojogos nos ofereceram até hoje. Assim esperamos!

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Site oficial: strangleholdgame.com

quinta-feira, agosto 09, 2007

deficiências letais numa chuva vampiresca



Poderia em poucas palavras resumir Vampire Rain (1) num projecto de enorme potencial, arrojado e ambicioso mas que acabou por revelar um resultado final pobre, desinspirado e algo imaturo. A ideia no papel resultou na perfeição mas a sua concepção e testes durante os vários ensaios após transição para o ecrã não foram certamente os melhores. Talvez pela pressa de lançamento, talvez devido a um reduzido orçamento, foram ignorados defeitos que são, nos dias de hoje, pouco usuais em títulos desta dimensão. Ainda assim, e apesar de todo o potencial desperdiçado, Vampire Rain consegue estranhamente apresentar alguns momentos com relativo interesse durante a jogabilidade. A sua totalidade resulta numa mistura de Splinter Cell, Metal Gear Solid e vampiros sendo o ambiente nocturno e chuvoso numa cidade habitada por Nightwalkers (2) a principal premissa numa contextualização espacial perfeitamente enquadrada num sub-género de acção denominado de stealth. Para além de Vampire Rain, títulos como Hitman, Manhunt e os já referidos anteriormente, proporcionam ao jogador um estimulante desafio, na medida em que a sua mecânica consiste basicamente em realizar missões de maneira semelhante à de um agente secreto, causando o mínimo possível de distúrbios no universo do jogo. A exploração visual do espaço virtual torna-se, portanto, extremamente importante e em Vampire Rain essa exploração é mesmo a única alternativa possível se quisermos sobreviver.



O grande problema - a meu ver - de Vampire Rain consiste, sobretudo, nas enormes deficiências que apresenta ao nível do design. Para além da existência de barreiras invisíveis que nos impedem de seguir determinados caminhos, as armas que possuímos nos primeiros níveis revelam uma enorme inutilidade uma vez que os vampiros são rápidos, agéis e fortes, sendo praticamente impossível de os eliminar caso sejamos detectados (3). Isto torna os combates extremamente desiquilibrados não dando a menor hipótese ao jogador de se esquivar, defender, esconder, fugir ou atacar. Neste caso, a única solução é largar o comando e assistir passivamente ao ecrã de "game over" que surge poucos segundos depois. Esta impossibilidade de reagir poderia ser compreensível caso o nosso personagem (Jake Lloyd) não fosse um agente especial com treino militar, revestido de alta tecnologia e equipado com um arsenal de armas considerável. Ainda assim, e apesar do armamento inicial, só com o avançar de níveis é que Lloyd vai aquirindo novas armas bem mais eficazes como uma faca - para podermos finalmente aproximarmo-nos silenciosamente por trás e supreender com um golpe fatal (4) - uma shotgun, a única arma realmente eficaz em caso de sermos detectados e uma sniper rifle que permite atingir as criaturas nocturnas de bem longe. A principal razão para essas armas não serem fornecidas ao jogador em todas as missões deve-se, a meu ver, à curva de dificuldade do jogo que, neste caso, segue num sentido inverso ao referido na obra (5) de Jim Thompson, Barnaby Berbank-Green e Nic Cusworth. Os responsáveis por Vampire Rain quiseram certamente enaltecer uma dificuldade invertida de forma a que o jogo começasse difícil e se fosse tornando relativamente mais fácil com o aproximar do seu final, o que não deixa de ser um enorme contra-senso: quem seria tão bravo ao ponto de partir para uma missão sem as armas que realmente eliminam os Nightwalkers? Jack Lloyd evidentemente!



Entre cada uma das missões, vão surgindo inúmeras cut-scenes que para além de avançarem com a história "apresentando diálogos escritos e falados" entre os personagens, também pretendem "aumentar a experiência total adquirida pelo jogador" (6). Contudo, os actores escolhidos para darem voz aos personagens tiveram um desempenho extremamente mau. A fraca representação expressa na voz, nunca chegou a evidenciar qualquer tipo de proximidade entre o actor e o personagem virtual, o que acabou por afectar seriamente a imersão do jogador na respectiva história. Desta forma, nos momentos em que o jogador deveria suster a sua respiração, acaba por soltar enormes gargalhadas, aliviando a tensão e invertendo completamente o objectivo inicialmente pretendido.



Em termo de conclusão devo realçar que a persistência necessária para jogar este título tornou-se fundamental para descobrir um desafio visual/mental extremamente aliciante senão vejamos: somos transportados para um universo virtual repleto de deficiências ao nível do design, com armas inúteis, inimigos letais e um apelo sério a uma paciência ilimitada durante a exploração dos diversos cenários. Isto faz com que o jogo, numa fase inicial, seja mau, tão mau que só o avançar dos níveis e a descida drástica do grau de dificuldade acabam por elevar Vampire Rain a um diferente patamar, tornando-o inclusivamente, bem mais interessante do que aquilo que aparenta numa primeira abordagem.
O facto de lançar este segundo "olhar" revelou-se, para mim, o suficiente para tornar um título devastado pela maioria dos jogadores e analistas internacionais (7), num objecto de estudo verdadeiramente interessante pelas boas e, principalmente, pelas más razões.

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(1) Site oficial de Vampire Rain: www.vampirerain.com
(2) Nome atribuído aos vampiros do jogo.
(3) Um murro é o suficiente para deixar o personagem que controlamos de joelhos à mercê do golpe final.
(4) O expoente máximo do stealth.
(5) THOMPSON, Jim, BERBANK-GREEN, Barnaby e CUSWORTH, Nic (2007), The Computer Game Design Course, UK, Thames & Hudson, pp. 66-67.
(6) idem., p. 61.
(7)
IGN, GameTrailers e GameSpot são alguns exemplos.