sexta-feira, junho 22, 2007

The Sims e o seu motor de interpretações

"You can have everything you want - the perfect marriage, a clutch of sucessful offspring, a fabulous mansion, a garage full of supercars, a luxury yacht, all the latest gadgets and gizmos, and a bank account brimming with millions. You can have all of this... while your real life drains away" (HARTAS, 2005: 112).



Alguns géneros de videojogos conseguem representar ou, por outras palavras, simular a nossa realidade através de uma linguagem visual constituída por pixels. The Sims (Maxis, 2000) é um daqueles títulos difíceis de distinguir: será um jogo de estratégia ou um simulador? O autor Leo Hartas (1) considera que este título resulta numa “interessante combinação de um fascinante simulador da vida real com a gestão de um jogo de estratégia” (2005: 116), combinação essa também defendida por Matt Fox (2) que resume o jogo em duas ideias principais. Em primeiro lugar, é necessário “cuidar” dos Sims, mantendo-os saudáveis, com uma vida social minimamente estável e um emprego que lhes permita subir na carreira. Em segundo lugar, é preciso construír a sua casa, acrescentar mobília, entre outras possibilidades, de modo a proporcionar um maior conforto (2006: 388).

A minha experiência com este jogo foi - até hoje - bastante curta. Das poucas vezes que tentei jogar, criei uma família com um único elemento adulto do sexo masculino (“Reinaldo Varela” foi o nome atribuído) de maneira a ser mais fácil de controlar. Acontece que, depois de ter construído e mobilado a casa e de ter arranjado um emprego ao meu Sim, tomei a liberdade de adquirir um fogão para poder cozinhar refeições quentes (3). Como ainda me encontrava numa fase de "tentativa-erro", não sabia que o Sim precisava de ler livros de culinária para aprender a manusear o fogão. Assim sendo, para além de ter pegado fogo à casa, apercebi-me que não tinha comprado um alarme nem tinha sequer instalado o telefone em casa para ligar aos bombeiros em caso de incêndio. O Reinaldo acabou por morrer queimado: “game over!”.



Apesar de não ser um videojogo que me entusiasme particularmente, gosto de observar outros jogadores (mais experientes) a usufruirem da sua mecânica e da experiência que retiram da sua jogabilidade. Numa dessas observações, tornou-se claro para mim, que The Sims pode, de facto, oferecer uma multiplicidade de tarefas bem maior do que aquela que inicialmente esperava, na medida em que a variedade das ferramentas que a interface do jogo disponibiliza ao jogador, vai aumentando gradualmente.
A forma como o jogador observa o dia-a-dia da família que criou, vai tornando-o cúmplice das tarefas de cada Sim que, controláveis ou não, poderão obrigá-lo a tomar algumas decisões importantes (como quando estão no seu emprego) que permitam, como referiu Matt Fox, dar aos seus Sims uma vida saudável, confortável e, se possível, com alguns luxos. Esta noção de criação de família e da respectiva habitação, acaba por resultar numa pluralidade de pontos de vista que resultam em diferentes processos de significação.

Muito para além do simples conceito de Big Brother e do seu explícito voyeurismo, a fase inicial em The Sims pode ser vista como uma escolha de personagens e de cenários, sendo esta possibilidade para Leo Hartas o cerne da ideia do videojogo, ou seja, motivar o jogador a usufruir da “experiência” de um game designer, criando os espaços, os personagens e todos os restantes elementos presentes no ecrã. Contudo, esta perspectiva de Hartas não impossibilita também que o jogador aborde The Sims como uma espécie de novela ou filme, onde terá que “montar” os ditos cenários, escolher os personagens principais e controlar um verdadeiro guião em tempo real, de maneira a tentar assegurar uma narrativa que conte determinada história. O jogador para além de leitor, pode também assumir o papel de realizador, tendo à sua disposição um conjunto enorme de ferramentas e opções que lhe permitam usufruir e direccionar a narrativa como muito bem entender. A reforçar esta ideia de realização, existe também a opção de pause e de foward com três tipos de velocidade, o que lhe dá a hipótese de controlar o ritmo da narrativa. Para além do controlo das personagens como uma espécie de “marionetas”, o jogador consegue manipular as horas do mundo virtual em The Sims, podendo acelerar as “horas mortas” (4) e fazer avançar a narrativa para momentos do jogo bem mais interessantes.



Esta possibilidade introduzida pelo criador Will Wright chegou, de uma certa forma, a ser abordada também na grande tela. O filme de comédia Click (5) trabalha metaforicamente com o poder do controlo remoto na vida social e profissional de Michael Newman (desempenhado pelo actor Adam Sandler), que se vê vítima das potencialidades de um dispositivo universal que permite fazer pause, foward ou rewind da sua vida real. Este filme acabou por traduzir uma possibilidade muito explorada anteriormente nos diversos títulos da série The Sims onde o simbolismo inerente a esses mesmos botões do controlo remoto fazem parte das opções do jogo. Seja em que altura for, o jogador pode pausar o jogo, retirar ou acrescentar móveis à casa e carregar no play novamente.
Outra das experiências jogáveis que observei leva-me a crer que The Sims pode também servir de simulador de imóveis e design de interiores, na forma como o jogador (recorrendo a códigos para obter mais dinheiro) pode concentrar a sua principal atenção não à narrativa do jogo propriamente dita mas sim à forma como disponibiliza o tempo de pausa jogável para uma multiplicidade considerável de combinações de elementos que preencham todo o espaço disponível na habitação dos seus Sims. Dos pequenos aos grandes luxos, a escolha torna-se inesgotável quando o jogador é confrontado com tal possibilidade...

Mais do que um videojogo, The Sims poderá ser entendido como um verdadeiro motor de interpretações, resultando em inúmeras perspectivas tendo em conta os objectivos iniciais a que cada jogador se propõe, numa flexível e permanente negociação.

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(1) HARTAS, Leo (2005), The Art of Game Characters, Cambridge, ILEX.
(2) FOX, Matt (2006), The Video Games Guide: From Pong to Playstation 3, Over Forty Years of Computer and Video Games, London, Boxtree.
(3) Como o Reinaldo não sabia cozinhar, fazia sempre refeições ligeiras e frias. Por essa razão ele ficava triste e sentia-se inútil e desconfortável.
(4) Momentos do jogo onde os Sims se encontram a dormir ou fora de casa (no emprego por exemplo).
(5) Realizado por Frank Coraci em 2006.

sexta-feira, junho 15, 2007

Top 5: Dialogues

Assim como acontece nos filmes, também nos videojogos os personagens têm vindo a assumir maior autonomia e protagonismo. Esse protagonismo adquire - por vezes - alguns contornos de maior ênfase no decorrer da narrativa, resultando em momentos únicos preenchidos por diálogos (não quotes!) que nos ficam na memória, principalmente pela sua vertente humorística.

Sem mais demoras, aqui segue o meu Top 5 de diálogos entre personagens:


#5: Quake 4 (id Software, 2005)



Sledge [to Kane]: "Welcome back, corporal Kane. May I be the first to say you look like shit."


#4: Halo: Combat Evolved (Bungie Studios, 2001)



Cortana: "Hmm... your architecture isn't much different from the Pillar of Autumn."
Master Chief: "Don't get any funny ideas!"


#3: Manhunt (Rockstar North, 2004)



Skinz #1 [to a decapitated skinz]: "Shit, are you OK?"


#2: Gears of War (Epic Games, 2006)



Dominic Santiago: "Looks like you need an access code."
Marcus Fenix: "Hmm... Got one?"
Dominic Santiago: "Yeah, in my other pants."


#1: BLACK (Criterion, 2006)



Sgt. Keller: "To get to Lennox, we have to cross this bridge. All teams advance, drop anything that moves."
Sgt Solomon: "I don't wanna rain on your fucking parade, but how the fuck are you planning on getting past by all those swinging dicks?"
Sgt. Keller: "By asking politely... how the fuck do you think?"


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fontes consultadas:
The Internet Movie Database,
www.imdb.com;
GameSpot,
www.gamespot.com.

domingo, junho 10, 2007

não queremos guias em espaços abertos!



We are connected, we'll never be alone we walk together, forever down that road... (1)

Dos vários géneros de videojogos existentes, os FPS continuam a ser os títulos de acção mais jogados de sempre. Desde o clássico Wolfenstein 3D
(id Software, 1992), que os jogadores são confrontados com uma perspectiva idêntica em todos os posteriores títulos. De arma em punho, seguimos ao nível dos olhos do personagem que controlamos ao longo de cenários completamente variados. Querendo aproveitar ao máximo esta nova descoberta nos géneros dos videojogos, a id Software resolveu criar Doom (1993) e Quake (1996), duas das mais conhecidas sagas da história dos videojogos, que transportaram, de forma brilhante, o terror – género até então mais conhecido na linguagem cinematográfica – para um plano de codificação binária.



Com o passar dos anos, foram dadas inúmeras oportunidades aos jogadores de usufruirem variadíssimos títulos de acção FPS que iam surgindo no mercado. Contudo, e com sua quantidade em massa, alguns elementos foram-se tornando repetitivos. Em grande parte dos cenários, a sensação de clausura mantinha-se, com a exploração de labirintos que já pareciam ter sido explorados em títulos transactos, traduzidos em longos e monótonos corredores da mesma tonalidade. Os ambientes virtuais carregados de cinzento apenas eram “esquecidos” sempre que surgia no ecrã um inimigo (muito provavelmente de uma raça alienígena) que ajudava o jogador a quebrar a monotonia com breves momentos de verdadeira acção. Apesar de, certamente, os jogadores mais acérrimos dos FPS não concordarem com esta perspectiva, a verdade é que Halo: Combat Evolved (Bungie Studios, 2001) tornou-se num enorme sucesso principalmente na "frescura visual" transmitida pelo seu mundo virtual.



Seguindo a mesma linha de análise presente na obra (2) de Simon Byron, Ste Curran e David Maccarthy, através da predominância do verde e da amplitude dos cenários apresentados no ringworld (3), Halo oferece algo que os jogadores ambicionavam e que, até então, ainda não tinham conseguido adquirir em anteriores títulos FPS: a sensação de espaço e de total liberdade (2006: 104-111). Assim que tomamos controlo de Master Chief (4) podemos direccioná-lo como muito bem entendermos. Mesmo num desses espaços abertos de enorme amplitude, não existe um único guia que nos indique o caminho correcto, havendo uma elevada probabilidade do jogador, em diversos momentos do jogo, sentir-se completamente perdido (principalmente em espaços exteriores). No fundo, este aspecto acaba por reforçar a ideia transmitida numa fase inical do jogo, onde tanto Master Chief como o jogador que o controla possuem exactamente a mesma informação sobre o mundo virtual onde aterraram, um mundo totalmente desconhecido que necessita de ser explorado por ambos numa cúmplice conectividade mútua que os "prende" ao longo da jogabilidade.

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(1) Hoobastank, Connected [Song Lyric] in Halo 2 OST.
(2) BYRON, Simon, CURRAN, Ste e MCCARTHY, David (2006), Game On! From Pong To Oblivion - The 50 Greatest Video Games of All Time, London, Headline Publishing Group.
(3) Nome do mundo virtual onde decorre praticamente toda a acção de Halo.
(4) Personagem principal de Halo: Combat Evolved.

sábado, junho 02, 2007

a motivação do desafio



O autor e game designer Chris Crawford aborda a questão da motivação de uma forma superficial, associada ao conceito de selecção e, posteriormente, à jogabilidade. Na altura (1982) Crawford considerou que em primeiro lugar um jogador sentir-se-ia mais motivado a optar por um videojogo com excelentes gráficos em deterimento de outro com piores gráficos, introduzindo posteriormente a segunda questão relativa ao reforço complementar apresentado pela jogabilidade (1). Ainda hoje, esta afirmação pode parecer lógica se tivermos em consideração a motivação presente na categorização dos signos explorados na corrente Saussuriana (2). Mas, se analisarmos a totalidade significativa de um videojogo, rapidamente nos apercebemos que, apesar da qualidade dos gráficos e da jogabilidade serem desde sempre elementos de extrema importância, existem muitos outros que ao longo dos últimos anos têm vindo a assumir enormes potencialidades, como é o caso do som, da narrativa, do grau de hiperselectividade, liberdade de acção, hibridação de géneros, tipo de mecânica, entre muitos outros. Muitos jogadores podem afirmar que Gears of War (Epic Games, 2006) apresenta uma notável qualidade gráfica. Sobre este aspecto devo dizer que a minha concordância é total. Apenas pergunto: de que valeriam os gráficos e a jogabilidade se os restantes elementos não conseguissem atingir igual qualidade? Neste exemplo, a motivação passa por uma totalidade que só atinge a sua plenitude após algumas horas de jogo, isto é, após um processo de negociação constante e cada vez mais denso.



Ainda assim, e tentando ir um pouco mais longe, para além de toda a sua totalidade, o grau de motivação poderá variar drasticamente consoante o desafio. Por vezes um desafio teoricamente mais fácil poderá tornar-se rapidamente num desafio bem mais complicado. Neste caso baseio-me no exemplo de Pro Evolution Soccer 6 (Konami, 2006), onde após o impacto inicial e os vários roteiros que experimentei pelas diferentes competições disponíveis, decidi experimentar o campeonato holandês. A meio da temporada, tendo conseguido atingir o primeiro lugar com o PSV Eindhoven com mais de dez pontos de avanço em relação à concorrência mais feroz, iniciei o encontro da 17ª jornada com o Sparta Rotterdam, na altura classificado em 16º lugar. Acabei por perder o desafio (0-1) com uma das equipas teoricamente mais fáceis. O grau de motivação variou drasticamente neste exemplo, na medida em que decidi repetir o mesmo jogo tendo vencido com quatro golos sem resposta. A variação do resultado de 0-1 para 4-0 deveu-se sobretudo a uma mudança de motivação na forma como abordei o segundo jogo. Existiu, no segundo jogo, uma clara motivação: o desafio inesperado. Uma pré-preparação mental que exigiu um maior grau de concentração quebrando de certa maneira a monotonia (ou pouca motivação) que ia sentindo com o avançar do campeonato. E não é isso que todos nós jogadores esperamos de um videojogo?

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(1) CRAWFORD, Chris (1982), The Art of Computer Game Design, pp. 16-24.
(2) FISKE, John (2002), Introdução ao Estudo da Comunicação, Porto, Edições Asa, pp. 77-78.