quarta-feira, setembro 20, 2006
design incoerente... mas aceitável
Para quem, como eu, já jogou inúmeros e diferentes videojogos ao longo dos anos, dificilmente poderá tomar consciência de determinados elementos que, embora pareçam perfeitamente naturais e aceitáveis à primeira vista, se reflectirmos, por breves momentos, um pouco mais sobre o assunto, talvez não sejam assim tão coerentes quando abordámos os videojogos num contexto de simulação total ou fragmentada da realidade.
O autor Steven Poole evidencia alguns exemplos interessantes (1). Em Tomb Raider III (Core Design, 1998), o jogador ao controlar Lara Croft, mesmo quando se encontra na posse de armas mais poderosas, como é o caso do rocket launcher - com poder de fogo suficiente para fazer explodir, literalmente, os inimigos em pedaços - por muito que tente, não é capaz de conseguir destruír uma porta de madeira que se encontra trancada. Esse (aparentemente) frágil obstáculo, pode mesmo prolongar a durabilidade de um determinado nível. Poole acrescenta que essas portas «inquebráveis» obrigam, por vezes, o jogador a explorar vezes e vezes sem conta o cenário, até conseguir encontrar a tão desejada chave enferrujada - muitas vezes escondida em locais verdadeiramente inacreditáveis - que permite abrir a respectiva porta.
Mas este tipo de exemplos não fica por aqui. O caso do famoso título da id Software Quake III Arena [Q3A] (1999), revolucionou os combates e a competitividade nos FPS (seja online ou contra bots (a ser abordado futuramente)), principalmente por ter inserido inúmeras habilidades só ao alcance de jogadores que dedicam muito do seu tempo útil à mecânica do videojogo: uma delas conhecida como rocket-jumping.
Q3A apresenta-nos um extenso mas fragmentado sistema complexo de múltiplas áreas distribuídas por diferentes ambientes virtuais, regras de funcionamento, inimigos e graus de dificuldade. Os gráficos são soberbos, demonstrando um aspecto futurista que enaltece o dinamismo e a adrenalina por parte do jogador, onde a sonoridade presente ao longo dos combates, demonstra a natureza humana disfarçada numa película cibernética de uma visão futurista, como é o caso da imagem criada do Homem aliado à tecnologia, numa hibridação cada vez mais notória. Steven Poole reforça a ideia levantada anteriormente em Tomb Raider III, contudo o rocket launcher para além de eliminar os inimigos, também é uma arma útil para o jogador se deslocar na respectiva realidade virtual. Ao apontar a arma para o chão e efectuar a acção _salto + _disparo, o jogador é projectado violentamente para o ar, conseguindo desta forma criar "atalhos" no mapa (2).
Para além destas «incoerências» referidas por Poole, existe uma outra que sempre me fez alguma confusão: falo-vos do strafe jumping. Após várias conversas e experiências que tive com jogadores nacionais e internacionais, todos eles me descreveram o modo de execução de uma forma minimamente universal:
strafe_jumping {
(_run + _jump + _movmouse_left /*or _movmouse_right*/) * (_varprac);
}
Assim, ao entrar numa das muitas arenas disponíveis, comecei a executar a soma de todas estas acções. Pouco tempo depois, o resultado das minhas fervorosas tentativas acabou por tornar a simples equação numa complexa análise matemática uma vez que, naquela altura, a variável treino (varprac) seria impossível de calcular...
Mas, e para quem não sabe em que consiste a técnica do strafe jumping, pode aceder a esta definição, que é o mesmo que dizer (de uma forma suscinta) que o jogador na arena desloca-se de uma forma mais rápida a saltar do que propriamente a correr. É caso para dizer que Francis Obikwelu inserido numa realidade virtual com as regras de funcionamento de Q3A, era completamente ridicularizado por uma clara falta de coerência que mais do que aceitável, motiva o jogador, oferecendo-lhe novas descobertas e, principalmente, novos desafios numa mecânica (toda ela) extremamente divertida e viciante...
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(1) POOLE, Steven (2000), Trigger Happy: The Inner Life of Videogames, London, Fourth Estate Limited, pp. 64-68.
(2) Em vez de subir as escadas para chegar ao piso superior, conseguimos essa proeza através de um rocket-jump minimamente bem executado. Esta técnica é frequentemente utilizada quando o jogador pretende recolher determinados items primeiro que o seu oponente, ganhando uma clara vantagem ao longo do combate.