sábado, setembro 23, 2006

quais os limites da interactividade?


Ao longo dos últimos anos, tem-se tornado senso comum afirmar que os videojogos gozam de uma forte vertente interactiva que os distingue das restantes artes e/ou formas de arte. De facto, esta é uma das ideias defendida por vários autores e investigadores da área. Richard Rouse num pequeno texto introdutório da sua obra (1), reforça esta mesma ideia. Contudo o mais curioso, é verificar que esse texto se intitula Gameplay, isto é, jogabilidade. Num só conceito reúne duas diferentes palavras como gameplay e interactivity. Para Rouse, "a jogabilidade resulta na forma como o jogador consegue interagir com a realidade virtual e como a realidade virtual reage às escolhas do jogador" (2001:xviii). Como complemento a esta pequena análise, Neal McGann (2) refere que "a interactividade é, provavelmente, a faceta mais importante da jogabilidade" (2001:12). Mas afinal o que distingue verdadeiramente os videojogos das outras artes? A jogabilidade? A interactividade? Ambas?

A principal ideia assente na definição de interactividade (3), baseia-se, sobretudo, na "1 comunicação recíproca; 2 [na] possibilidade de interacção entre indivíduos ou elementos de um sistema".

Ao analisarmos uma imagem estática, estamos automaticamente a acrescentar-lhe o nosso conhecimento, e a retirar-lhe os respectivos significados. Se esta reciprocidade não existisse, acredito que o conceito de Arte perderia toda a sua credibilidade. Simplesmente não seria possível absorver, desplanificar e desconstruír todos os elementos e significados de um determinado quadro, filme ou obra arquitectónica. Seja numa relação pessoa-pessoa, ou pessoa-objecto, é impossível não existir um negociar contínuo e recíproco. Um constante confronto entre o dar e o receber, um claro processo de desplanificação e desconstrução mental da mensagem presente na comunicação, seja ela oral, escrita ou visual. Dizer que, por exemplo, o cinema, na sua generalidade, é interactivo, pode parecer arriscado, mas se nos concentrarmos em determinados filmes como Funny Games, o realizador Michael Haneke trabalha o conceito de jogo a vários níveis. A forma como aborda uma relação com os espectadores, traduz-se na "piscadela" de olho por parte de um dos protagonistas para a audiência. De repente, toda a realidade presenciada na tela, é transposta para o espectador, tornando-se inevitável um confronto de olhares e uma maior imersão no próprio filme. Poderia-se afirmar que este tipo de aproximação não nos remete automaticamente para o conceito de interactividade, na medida em que o espectador não consegue interagir fisicamente com o filme, mas o que é facto, é que esse "piscar de olho", apela a um convite à sua cumplicidade que, só por si, se revela numa resposta clara aos posteriores acontecimentos decorridos na tela...
Na minha opinião, apesar de ténue, é possível delinear uma fronteira entre jogabilidade e interactividade, se alargar este último conceito a um plano mental e não restringir a sua definição unicamente no plano físico. Se atendermos ao exemplo das cutscenes num videojogo, podemos afirmar que o jogador, apesar de passivo a um nível físico (por não existir jogabilidade), continua a interagir a um nível mental com aquilo que lhe é apresentado. Continua a existir uma negociação entre o produto e o leitor, complementando um processo de semiose que resulta na exploração do seu self (4). Nelson Zagalo, refere neste
artigo dois tipos de finalidades das cutscenes, comparando Final Fantasy X e Doom 3. "Final Fantasy X usa as cutscenes para contar uma história, para produzir emoções (...). Em Doom 3 são usadas para nos apresentar as sequências jogáveis, para nos preparar emocionalmente, para o que virá como forma interactiva". Agora pergunto: será que durante estas cutscenes, não existirá interactividade num plano meramente mental? Eu julgo que sim, principalmente porque a interactividade, pelas razões anteriormente mencionadas, não se esgota com a jogabilidade...
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(1) ROUSE III, Richard (2001), "Game Design: Theory & Practice", Wordware Publishing, Inc.
(2) MCGANN, Neal (2001), "Watching Games And Playing Movies: The Influence of Cinema on Computer Games", Master Thesis, Dublin Institute of Technology.
(3) Dicionário da Língua Portuguesa 2006 da Porto Editora.
(4) A sua cultura, sentimentos, emoções, vivências, experiências, ...