“No cinema, o mundo é projectado para a pessoa enquanto que no videojogo a pessoa é projectada para dentro do mundo.” (1)
A linguagem cinematográfica nos videojogos expandiu-se de tal forma que são já muitos os diferentes géneros que nos apresentam transfigurações de elementos dignos da sétima arte. Still Life é um dos exemplos que se inspirou e se apoiou numa forte vertente cinematográfica tornando-se essencial na forma como assegura a projecção do jogador num ambiente sinistro.
Se “as narrativas de muitos jogos contêm mistérios inspirados nos enredos de Hollywood” (2), Still Life não é excepção. O jogo psicológico resultante na viagem à mente perturbada de um criminoso artístico engrandece de forma recalcada os pequenos "nadas" deixados ao acaso na cena do crime, anunciando a visão enlouquecida do perturbado final que tentamos evitar. Como espectadores assistimos a diversas cut-scenes e como jogadores exploramos cenários vezes sem conta. A jogabilidade é confrontada com a incorporação de “qualidade fílmica no videojogo” (3), no sentido de acrescentar e nunca de substituir, proporcionando um aumento da experiência total que tende a ultrapassar aquela que o cinema já conseguiu oferecer.
Mais do que gamers, assumimos uma dupla mecanização, física-mental, activa-passiva, complementada por uma notória estética-funcionalidade da linguagem cinematográfica, sendo estas dicotomias o ponto de partida para o alargamento do já complexo conceito de gameplay numa espécie de cineplay onde nós, mais do que gamers, somos autênticos cinegamers porque jogar implica também ver e contemplar.
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* Artigo publicado na revista Hype! n.º6 de Março de 2008.
(1) POOLE, Steven (2000), Trigger Happy: The Inner Life of Videogames, London, Fourth Estate Limited, p. 98.
(2) JOHNSON, Steven (2006), Tudo o Que é Mau Faz Bem, Porto, Edições ASA, p. 49.
(3) MCGANN, Neal (2003), Watching Games and Playing Movies: The Influence of Cinema on Computer Games, Masters Thesis, Dublin Institute of Technology, p. 40.