sábado, janeiro 27, 2007
protagonismo partilhado
Foi desde o surgimento de Pac-Man em 1980 que o conceito de personagem tem vindo a assumir-se como uma necessidade nos títulos mais recentes. Ao longo dos anos testemunhamos o "nascimento" de Mario, Sonic, Lara Croft, Max Payne, Master Chief, Marcus Fenix entre muitos outros. Segundo Marie-Thérèse Journot, o termo personagem (do latim persona), "designava em grego a máscara usada pelo actor de teatro, ou seja, o seu papel" (1). Nic Kelman, na sua obra (2), reforça a ideia de uma existência obrigatória de um protagonista seja ele quem ou o que for, uma vez que segundo Kelman "não é possível criar um videojogo sobre uma ideia ou um sentimento da mesma forma como se produz um poema, uma faixa musical ou uma pintura abstracta" acrescentando que "ou existe um personagem, ou um carro, ou uma minhoca, cabendo sempre ao jogador a obrigação e a capacidade de distinguir a sua importância dentro do ambiente virtual do próprio jogo" (2005:26). É precisamente nesta definição que será interessante reflectir sobre uma questão fundamental: onde se encontra o verdadeiro protagonismo nos videojogos? Poderemos afirmar por exemplo que Max Payne é um personagem e, ao mesmo tempo, o principal protagonista do videojogo, ou será que a noção de protagonismo poderá ser dividida consoante os vários elementos apresentados?
Apesar de sua enorme variação eu verifico uma nova tendência reforçada nos actuais títulos que nos apresentam ambientes virtuais com um inegável protagonismo. A forma como vamos controlando o nosso personagem permite-nos usufruir das mais variantes estratégias, de modo a facilitar o percurso escolhido ao longo dos diversos cenários apresentados. Neste ponto de análise, torna-se fundamental referir a questão da iluminação, que segundo Mike Jeffries (3), pode afectar profundamente toda a jogabilidade. "Pode-se usar para esconder surpresas, chamar a atenção dos jogadores para determinados objectos, criar suspense, entre outras coisas" (4).
Vejamos o caso de Manhunt (Rockstar North, 2004), onde o "jogo de luz" presente nos ambientes virtuais nos permitem atacar os inimigos de surpresa e escondermo-nos nas sombras em momentos de maior "aperto", de maneira a delinearmos (5) uma nova investida nos ataques aos NPC's que por lá circulam. Aproveitando para exemplificar esta minha ideia em vários títulos, o que dizer sobre Dead Rising (Capcom, 2006) e Gears of War (Epic Games, 2006)? Se no primeiro caso toda a acção decorre no interior de um shopping repleto de zombies onde tudo o que encontrámos poderá servir de arma, no segundo caso todos os elementos presentes nos mapas poderão servir de abrigo e protecção em sequências de acção mais intensas. Nestes dois casos em particular, será que devemos abordar o protagonismo única e exclusivamente ligado às personagens ou ao jogador? Ou será que devemos alargar esse conceito aos inúmeros elementos presentes na totalidade do videojogo?
Em três exemplos diferentes, o protagonismo surge partilhado entre o personagem, o ambiente virtual, a sua iluminação, o jogador, entre muitos outros. Usamos constantemente o nosso raciocínio para delinearmos estratégias, procedermos a várias escolhas e carregarmos nos respectivos botões para a personagem - inserida e contextualizada no respectivo ambiente virtual - mover-se conforme foi programada e animada, de maneira a superar as possíveis adversidades e a reforçar uma maior cumplicidade presente num processo de negociação constante entre os diversos componentes/corpos físicos e virtuais. Desta forma, quanto maior for a noção de uma totalidade composta por tamanha variedade de significantes, maior será a absorção e aceitação da ideia de um protagonismo partilhado.
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(1) JOURNOT, Marie-Thérèse (2005), "Vocabulário de Cinema", Edições 70, Lisboa.
(2) KELMAN, Nic (2005), "Video Game Art", Assouline Publishing, New York.
(3) Lead artist at Sure Fire Games.
(4) JEFFRIES, Mike, "Hands On: Painting With Light" in MORRIS, Dave and HARTAS, Leo (2004), "The Art Of Game Worlds", pp. 116-119.
(5) É interessante verificar neste artigo como na maioria das críticas a videojogos existentes não só na Internet como também nas várias revistas da especialidade, o reforçar da primeira pessoa do plural. Neste caso o "nós" refere-se ao jogador e à personagem principal - James Earl Cash de Manhunt (Rockstar North, 2004).