sexta-feira, dezembro 01, 2006

a continuidade como efeito da montagem



Doom (id Software, 1993-2004) e Resident Evil (Capcom, 1997-2005), são duas das sagas mais marcantes na história dos videojogos. Se a primeira consolidou uma nova perspectiva FPS (First Person Shooter), o segundo marcou em definitivo uma nova vertente nos videojogos, uma vez que, apesar de se poder englobar algumas características de TPS ("Third Person Shooter"), como um constante "olhar exterior", neste título, ao contrário de outros do mesmo género, a "câmara" não se encontra fixa por detrás da personagem, havendo por isso uma variedade enorme no seu posicionamento e nas diversas perspectivas apresentadas, o que acaba por alargar, consideravelmente, o número de planos possíveis. Steven Poole analisa este tipo de “multiplicidade de ângulos de vista” (1) através de duas perspectivas: uma funcional e outra estética (2). Para além de uma estética cinematográfica que o videojogo adquire, Poole considera que este tipo de trabalho de câmara permite que o jogador, enquanto joga, assista também ao desenrolar da acção num ângulo mais favorável (3). Esta constante mudança de planos, permite que este título se diferencie do habitual TPS. O jogador continua a ver no ecrã a personagem que controla, mas nem sempre, com o mesmo posicionamento de câmara. Essa variação permite evidenciar o "corte" e a separação de planos. No fundo surge o conceito de raccord inserido no processo de montagem, o que permite - numa análise superficial - assegurar uma linearidade e uma "continuidade visual e diegética entre dois planos" (4). O título Another World (1991), por exemplo, apresenta-nos uma narrativa contínua e linear, um interface gráfico simples e "limpo" (5), onde os raccords são assegurados pela própria jogabilidade.
Apesar deste tipo de conceitos ter sido fortalecido ao longo da década de 90 [séc. XX], a coesão e a homogeneidade da narrativa ainda hoje resumem uma das principais preocupações na concepção visual de um videojogo e na forma como ele se desenrola ao longo da jogabilidade oferecida ao jogador, de modo a poder atingir aquilo que Journot refere como "a estética da transparência" (6), pois é essa mesma "transparência", principalmente ao nível do interface gráfico, que permite reforçar o conceito de imersão no videojogo, quando este opera, sobretudo ao nível da linguagem visual.

_________

(1) POOLE, Steven (2000), "Trigger Happy: The Inner Life of Videogames", London, Fourth Estate Limited, pp. 92.
(2) ibidem.
(3) idem, pp. 93.
(4) JOURNOT, Marie-Thérèse (2002), "Vocabulário de Cinema", Lisboa, Edições 70, pp. 128.
(5) Não existe qualquer tipo de item, nem informação adicional presente no ecrã como uma barra de energia do personagem que controlámos por exemplo.
(6) idem, pp. 129.