terça-feira, agosto 06, 2013

A interessante experiência de Into the Dead


Segundo as palavras de Umberto Eco, “cada fruição é uma interpretação e uma execução, pois em cada fruição a obra revive numa perspectiva original” (2009: 68). E os videojogos, como obras abertas que são, estabelecem e asseguram com os jogadores diversos processos de negociação, motivando-os a assumir um importante papel de agentes criativos no interior de um discurso (Nitsche, 2008: 212). “O prazer de uma experiência reside na sua capacidade de transportar o participante para uma ilusão de realidade simulada” de maneira a que “o jogador acredite ser parte integrante de um mundo imaginário” (Salen e Zimmerman, 2004: 450). Partindo das palavras acima citadas, torna-se imperativo mencionar Into the Dead (PikPok, 2012), uma recente e surpreendente descoberta no abundante espólio de artefactos digitais que proliferam na App Store. Into the Dead não deve ser abordado como apenas mais um jogo de zombies no meio de tantos outros, mas sim como uma experiência diferente e algo inovadora dentro dos limites que definem o género survival horror. Pensado, sobretudo, para sessões curtas em dispositivos móveis, a acção, sempre na primeira pessoa, é intensa e perturbadora. O seu aspecto visual monocromático define um ambiente noir desconfortável, denso, frio, silencioso e inquietante. Contextualiza a tensão através da complementaridade de um discurso inquietante digno das obras cinematográficas de George Romero às reminiscências do expressionismo cinematográfico alemão da década [19]20, tornando a experiência jogável ainda mais aterradora. 



Na obra de Dave Morris e Leo Hartas, o designer Chris Bateman refere que “o gore não assusta (...), não evoca medo” acrescentando que “é fácil inserir o gore nos videojogos, mas é muito mais impressionante quando o sucesso de um determinado videojogo é conseguido, fundamentalmente, através da evocação constante de atmosferas de terror” (2004: 146). Tudo se passa no interior do jogo, apresentando no ecrã um incentivo traduzido num convite aberto a profundas absorções. Geoff King e Tanya Krzywinska referem que, de uma forma geral, “os ambientes mais detalhados e reactivos aumentam o potencial de imersão no mundo virtual” (2006: 144). Atinge-se um elevado grau de imersão quando um conjunto de pixels apresentados no ecrã provoca momentos de diversão, emoção, alegria, adrenalina, pânico, terror ou medo. 

Into the Dead consegue em poucos minutos essa imersão que não se esgota na jogabilidade que, apesar de curta, faz com que a adrenalina e a tensão perdurem tempo suficiente para nos fazer voltar para mais sessões. O objectivo do jogo é sobreviver o maior tempo possível no meio de uma imensa área repleta de zombies. Uma breve sequência introdutória apresenta-nos o campo periférico do personagem que controlamos que, depois de um acidente de helicóptero, rapidamente procura fugir às inúmeras ameaças de morte. O personagem começa a correr sem parar e, controlado pelo jogador, apenas se pode desviar para esquerda ou para a direita para evitar os vários zombies que vão surgindo cada vez em maior número bem como os diversos obstáculos que vão variando consoante os diferentes cenários que se atravessam. A constante turbulência visual resultante dos rápidos movimentos corporais do personagem, obriga o jogador a um esforço de concentração e coordenação bem mais activo. Um pouco à semelhança de Mirror's Edge (EA Digital Illusions CE, 2008) - que, nas palavras de Thompson foi "o primeiro videojogo a infiltrar a nossa propriocepção" - mais do que “graficamente realista” Into the Dead é neurologicamente realista devido à sensação de motricidade ser tão vigorosa (Thompson, 2008). 



Quando na posse de uma arma apenas um toque com o dedo no centro do ecrã é suficiente para disparar. Contudo, e um dos aspectos mais positivos da experiência, consiste no facto das armas e munições serem extremamente escassas e surgirem apenas em certos pontos do cenário, o que acaba por reforçar ainda mais a nossa vulnerabilidade e instinto de sobrevivência numa situação amplamente adversa e constantemente ameaçadora. É interessante verificar como as pequenas escolhas da trajectória que efectuamos em muito definem a nossa resistência e lucidez enquanto jogadores. Por vezes, as armas surgem em áreas povoadas de zombies, tornando mais arriscada qualquer tentativa de as apanhar. Será preferível correr o risco de apanhar a arma quando podemos morrer ou simplesmente ignorar e caminhar mais alguns metros em segurança? 

Embora subjectivo à nossa navegação pelos diversos cenários, o jogo dá-nos constantemente esse poder de escolhas, da mesma forma que quando apanhamos um revólver com apenas seis tiros temos que saber geri-los para os usar em situações de maior aperto. Existe também outro tipo de opções que surgem antes de iniciarmos cada jogo, como a possibilidade de ter mais munições, mais armas, entre outros. Existe uma opção interessante que consiste em começar o jogo na companhia de um cão que nos ajuda, atacando zombies e abrindo caminho pelos cenários. Esta opção é curiosa no sentido em que reforça uma ligação quase que sentimental perante a solidão que nos assola quando somos os únicos seres a tentar manter-se vivos.

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Bibliografia consultada: 
ECO, Umberto (2009), Obra Aberta, Lisboa: Difel. 
MORRIS, Dave e HARTAS, Leo (2004), The Art of Game Worlds, Cambridge: The Ilex Press. 
NITSCHE, Michael (2008), Video Game Spaces – Image, Play and Structure in 3D Worlds, Cambridge, Massachusetts: The MIT Press. 
SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric (2004), Rules of Play: Game Design Fundamentals, Cambridge, Massachusetts: The MIT Press. 
THOMPSON, Clive (2008), “Victory in Vomit: The Sickening Secret of Mirror’s Edge”, Wired – Games Without Frontiers.