sábado, outubro 13, 2007
a estética como significante do survival horror *
O survival horror tem-se assumido como um elemento de jogo bastante recorrente ao longo dos últimos anos. De tal forma que tem vindo a adquirir uma maior independência na classificação dos videojogos por género. Dentro de cada género (acção, estratégia, entre outros), é possível encontrar algumas diferenças entre os variadíssimos títulos. Vejamos o exemplo de videojogos de acção como é o caso de F.E.A.R. (Monolith, 2005) e The Suffering (Surreal, 2004). O primeiro é claramente um FPS , enquanto que o segundo se enquadra numa perspectiva TPS . Contudo, para além destas diferenças entre jogos pertencentes ao mesmo género (acção), estes dois títulos acabam por evidenciar um elemento comum fulcral na sua totalidade significativa. O survival tem vindo a assegurar uma maior coerência na forma como se tem distanciado dos inúmeros títulos que acabam, por vezes, por ser mal interpretados por parte dos jogadores. A ideia de que o survival aparece associado a sangue, gore ou violência é completamente errada. Nem todos os títulos precisam de conter estes elementos para serem considerados de survival. Vejamos o exemplo de Mortal Kombat. Este título assenta num género de luta, onde os jogadores são constantemente confrontados com “litros” de sangue no ecrã sempre que atacam com sucesso o seu oponente, bem como o gore explícito na execução de um fatality no final de cada combate.
Mesmo assim, Mortal Kombat não pode ser considerado um survival horror porque este tipo de sub-género necessita, obrigatoriamente, de invocar um certo tipo de sentimentos que a violência e o gore nem sempre conseguem transmitir. Esta ideia é reforçada na obra (1) de Dave Morris, onde o designer Chris Bateman refere que “o gore não assusta (...), não evoca medo” (2004: 146). Para Bateman, “é fácil inserir o gore nos videojogos, mas é muito mais impressionante quando o sucesso de um determinado videojogo é conseguido, fundamentalmente, através da evocação constante de atmosferas de terror” (2004: 146). Esta é, sem dúvida, a maior distinção entre videojogos de survival horror e videojogos de acção repletos de sangue e gore. O cerne da discussão encontra-se latente na sua atmosfera, nos espaços virtuais e nos ambientes que são transmitidos ao jogador. Este tipo de ambientes pode ser experimentado em títulos como Resident Evil 3: Nemesis (Capcom, 2000), onde as a acção se desenrola à noite, por vezes, em ruas desertas, sujas e silenciosas. Neste título, a ausência de música em determinadas sequências jogáveis acaba por condicionar o aumento da tensão no jogador que, através do ritmo produzido pelos passos da protagonista que controla, facilmente se assusta com o barulho inesperado de um vidro a quebrar ou de um gemido de um zombie logo ao virar da esquina. Para além de cores escuras, ruas desertas e becos sem saída, vejamos agora o exemplo de Silent Hill 2 (Konami, 2001), onde o denso nevoeiro que por vezes é apresentado ao jogador, para além de servir de estratégia na sua concepção (2), acaba por transmitir também uma sensação de desorientação, confusão e medo, principalmente por não saber o que poderá encontrar por detrás do nevoeiro.
Para além destes exemplos, o survival horror também se encontra bem definido em títulos FPS (acima mencionado) como os agora clássicos Doom ou Quake. Nestes dois títulos, os espaços abertos são substituídos por espaços fechados, caracterizados por corredores longos, escuros e repletos de seres alienígenas com os quais teremos que combater. Ao longo dos anos, estes dois títulos em particular, foram também acompanhando a evolução ao nível dos gráficos tornando-se possível acentuar este tipo de elementos que tão bem categorizam o survival horror como é o caso de Doom 3 (id Software, 2004), onde se torna necessário iluminar os cenários escuros, através de uma lanterna que o nosso personagem possui juntamente com o seu poderoso arsenal de armas de fogo. Esta lanterna tem uma particularidade interessante: o personagem que o jogador controla não consegue usar a lanterna e uma arma de fogo ao mesmo tempo, o que acaba por aumentar a tensão: de que adianta conseguir iluminar um corredor escuro e os respectivos monstros se não é possível disparar sobre eles? Esta impossiblidade, apesar de ser algo ridícula (3) não deixa de ser compreensível, uma vez que ao usarmos menos vezes a lanterna, acaba por aumentar mais o nosso nível de tensão, reforçando o que anteriormente mencionei sobre o “medo do desconhecido”. Esta estética como significante resulta na absorção total por parte do jogador, que se concentra ao máximo na pouca informação disponível no ecrã de jogo.
No sentido oposto, podemos realçar o título Halo: Combat Evolved (Bungie Studios, 2001), que nos apresenta uma visão completamente antagónica de Doom 3, onde os espaços abertos reforçados pela predominância da cor verde, acabam por transmitir uma sensação de liberdade (4), abandonando por completo uma estética visual de clausura que reinou principalmente nos FPS da década de 90.
Seja ao nível de cores utilizadas, sons macabros, ausência de música, nevoeiro denso ou corredores longos e apertados presentes num enorme complexo labirintico subterrâneo, estes elementos acabam por elevar o videojogo a um diferente patamar, proporcionando momentos de maior tensão e de ritmos cardíacos bem mais acelerados do que aqueles que temos ao jogar The Sims. Os jogos de survival horror, para além de conseguirem criar momentos de verdadeiros sustos repentinos, também permitem prolongar uma sensação de pânico através de uma estética peculiar representada maioritariamente pelas atmosferas mórbidas e pelos seus respectivos ambientes virtuais, facultando uma constante presença do terror através do confronto inevitável que teremos que enfrentar com o desconhecido...
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* Artigo da coluna mensal “Três Visões, uma Semiótica” (Abril de 2007), publicado na Comunidade Gamecultura (Brasil). Disponível em http://www.gamecultura.com.br.
(1) MORRIS, Dave e HARTAS, Leo (2004), The Art of Game Worlds, Cambridge, ILEX.
(2) Este denso nevoeiro permite que o frame rate do jogo se mantenha elevado, uma vez que a distância de observação acaba por ser bastante menor, tornando o jogo mais “leve” e num ritmo fluente.
(3) Sabendo à partida que a acção de Doom 3 se desenrola em Marte no ano 2145, torna-se algo incompreensível saber que o nosso Marine tecnologicamente sofisticado e com um arsenal futurista, não consigue arranjar maneira de incorporar a lanterna na sua arma de fogo.
(4) BYRON, Simon (2006), Game On! – From Pong To Oblivion, The 50 Greatest Video Games of All Time, London, Headline Publishing Group, pp. 104-111.