quarta-feira, fevereiro 21, 2007

afinal quem conta histórias?



A narrativa sempre foi algo que me fascinou nos videojogos. Talvez por ter sido um elemento que passou despercebido ao longo de vários anos e que só mais recentemente tem sido abordado por vários autores.
Actualmente jogamos diversos títulos e verificamos o avançar da narrativa e da história de uma forma bem mais explícita. Existe uma sucessão de acontecimentos que se vão desenrolando ao longo da jogabilidade e/ou através de cut-scenes que nos contam alguma coisa. Sempre me questionei sobre qual seria a narrativa presente nos grandes clássicos da década de 70 e da década de 80. Se falarmos em Pac-Man (1980) por exemplo, que tipo de personagem controlamos? Quem é realmente aquele boneco amarelo? Como foi parar àquele labirinto e como é que a narrativa se desenrola? Neste ponto, talvez mais importante que tentar responder a todas estas questões, seja tentar compreender a relação que existe entre os vários elementos do videojogo. O objectivo é simples: 1) controlar Pac-Man pelo labirinto; 2) comer todas as bolinhas brancas; 3) evitar os fantasmas que por lá circulam. Para além destes três pontos, existe uma grande alternativa dependente das escolhas efectuadas por parte do jogador ao longo da jogabilidade. Este poder de escolha surge como a principal narrativa do título em questão. Como reage o jogador a este desafio, como assimila as regras enquanto joga, como descobre novas estratégias para chegar o mais longe possível, de que forma é apreendido todo este processo de tentativa-erro.
Vejamos um outro exemplo: Space Invaders (1978). Na sua tese (1), Jesper Juul evidencia claramente uma narrativa de frames (2) a partir das sequências apresentadas pelas diferentes telas do jogo. O menu principal como sendo a introdução (ínicio), o jogo propriamente dito (meio) e a tela final com a mítica frase "game over" (fim) (1999:36-37). Esta sequência apresenta uma sucessão temporal lógica que resume a ideia defendida por Juul.


Continuando a mencionar alguns clássicos da história dos videojogos, o que dizer sobre a narrativa de Tetris (1985)? Poderiamos perfeitamente aglutinar as duas ideias acima mencionadas. A mesma ideia de narrativa de Space Invaders com a compreensão necessária para a relação existente na interacção entre as diversas peças. O verdadeiro protagonismo por parte do jogador é conseguido com o domínio desta mecânica que deverá seguir num ritmo de tempo de reacção proporcional à duração e à progressão dos respectivos níveis de jogo.
Tendo em conta todos estes clássicos, pergunto se com este tipo de narrativa é possível contar histórias? Eu julgo que sim, apesar de ser, nestes casos em concreto, um elemento completamente ambíguo. Em Pac-Man qualquer jogador poderá contar uma diferente história no final da sua experiência individual, tendo em conta a narrativa resultante da sua jogabilidade. Cada um pode inventar teorias sobre como é que apareceu aquele boneco no labirinto e o porquê dos fantasmas o perseguirem. Em Space Invaders, também é possível o jogador questionar-se sobre que tipo de invasão se trata, que raça alienígena está a combater, qual a sua intenção e qual a causa que deu início àquela guerra espacial. Mais do que o jogo contar uma história, o jogo permite que o jogador conte diversas histórias, a sua história. Esta ambiguidade é perfeitamente compreensível uma vez que - no caso de Pac-Man - a ideia da sua concepção terá surgido após Toru Iwatani (criador do jogo) ter comido uma fatia de pizza (3).

Hoje em dia essa ambiguidade não surge com tanta frequência. Os gráficos são incomparáveis, as cut-scenes enaltecem uma forte estética cinematográfica e o protagonismo nas decisões tomadas deixam de ser única e exclusivamente do jogador, visto que o personagem que ele controla, consegue, nas cut-scenes, evidenciar uma maior autoria na forma como assegura a linearidade e continuidade da própria narrativa do jogo. Contudo, e apesar de parecer bem mais simples, a complexidade surge quando se levanta a ideia de uma possível partilha da narrativa. Tanto o jogo, como o jogador, como o personagem assumem protagonismos limitados, dependentes das formas de interacção entre eles, o que acaba por se tornar bem mais complexo quando pensamos, por exemplo, em títulos como The Sims (Maxis, 2000) e tentamos responder à questão apresentada no título deste mesmo artigo.

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(1) JUUL, Jesper (1999), "A Clash Between Game And Narrative - A Thesis On Computer Games And Interactive Fiction", Institute of Nordic Language And Literature, University of Copenhagen.
(2) The narrative frame in Space Invaders, p. 35.
(3) POOLE, Steven (2000), "Trigger Happy – The Inner Life of Videogames", London, Fourth Estate Limited, p. 159.