“Decisions used to
be easy, huh? What time to get up? What to wear? Where to go? Now, it’s a bit
different. Could you tell a friend from foe? Could you kill? Could you do worse?
If a love one was infected, could you do the right thing? Could you put your
life on the line for me, the way I would for you? Could you be the last of us?”
Pensar sobre os videojogos que jogamos nem sempre
é fácil, pois resultam, muitas vezes, em experiências interactivas
transcendentes que nos remetem para um olhar mais atento e para conversas
apaixonadas e intermináveis sobre os seus mais pequenos detalhes. Este foi e
ainda é o caso de The Last of Us
Remastered. Originalmente publicado para a PlayStation 3 em 2013, a
produtora Naughty Dog decidiu apostar na sua conversão para a PlayStation 4.
Lançado em 2014, com melhores gráficos e uma fluidez mais conseguida (1080p/60fps),
permitiu, nas suas palavras, lançar o jogo tal qual tinham pensado inicialmente.
The Last of Us Remastered procura ser
a experiência imersiva da nova geração que a produtora tanto quis criar ainda
na sua fase inicial.
The
Last of Us Remastered é
um jogo completo. Tem acção, aventura, estratégia, tensão e drama. É um jogo
que convida os jogadores a diferentes tipos de abordagem consoante a sua forma
de jogar e pensar os desafios. A perspectiva é na terceira pessoa o que faz
todo o sentido, pois neste jogo não interpretamos nenhum personagem. Controlamos
sim personagens com personalidades bem vincadas. Não somos autores de uma
história mas sim testemunhas de um desenrolar de eventos que se vão suceder
sempre da mesma forma e sobre o qual não temos qualquer tipo de poder de
decisão na escolha de diferentes rumos. Ao contrário de muitos videojogos, no
qual os jogadores têm a possibilidade de escolher diferentes rumos da
narrativa, tendo influência directa no final da história, em The Last of Us Remastered tal não acontece. A
estrutura narrativa da história é estritamente linear e os produtores da
Naughty Dog sempre assumiram esse aspecto como um ponto fortíssimo na
experiência jogável. Ainda assim, e tal como coloca Umberto Eco, apesar de
“absolutamente unívoco, a acção pode revestir-se de mil ambiguidades e abrir-se
a mil possibilidades interpretativas (2009: 214).
"Let
me tell you a story. Once upon a time, I had somebody that I cared about (…)
And in this world, that sort of shit's good for one thing — gettin' ya killed.”
Enquanto jogadores, somos, desde o início,
vulneráveis (tal como todos os personagens que vamos conhecendo) ao que o jogo
tem para nos contar e mostrar. Contudo, facilmente aceitamos esse papel passivo
pois este videojogo em particular, é a demonstração clara do potencial cada vez
maior que este tipo de artefacto tem quando consegue integrar a narração de
uma história no aspecto único que os distingue verdadeiramente de outro tipo de
media – a jogabilidade. Para muitos é o aspecto menos importante do jogo. Para
mim quando se consegue aliar uma história bem narrada a uma jogabilidade bem
pensada é, na maioria das vezes a diferença entre um jogo muito bom e uma
obra-prima. A título de exemplo, basta pensarmos no que seria se retirássemos
por completo o elemento história em jogos como Bioshock, Max Payne, Alan Wake ou os últimos da série Grand Theft Auto. O impacto não seria
obviamente o mesmo. É muito devido ao elemento e ao impacto da história no jogo
que The Last of Us Remastered atinge esse
patamar de excelência que de outra forma muito dificilmente conseguiria
almejar. Contudo, “como forma de ficção, exige um escrutínio crítico cuidado de
como comunica os seus significados” pois apesar da ficção do jogo “não mudar a
natureza da arte, ela apresenta-se como uma nova experiência de leitura tão
surpreendente tal como já tinha acontecido com fotografia e o cinema
anteriormente” (Atkins, 2003: 154-5).
“Goodnight, baby girl!”
Neste jogo, conhecemos Joel, o personagem
principal que controlamos, que chega tarde a casa no dia do seu aniversário
onde a sua filha Sarah o esperava. O jogo começa com a batida seca do relógio
da sala, a marcar o ritmo pausado de mais um dia que chegava ao fim mas cuja
noite se ia tornar rapidamente longa. Um estranho evento ocorre nessa noite e
propaga-se rapidamente pelos diversos estados da América. O jogo começa com
Sarah a acordar a meio da noite devido ao toque do telefone. Tommy, o seu tio,
liga a meio da noite com urgência em falar com o irmão Joel. Algo de grave se
passava e aqui o jogo começa a mudar o ritmo. Neste pequeno tutorial, o jogador
controla Sarah que, inquieta, começa a explorar as diversas divisões da casa à
procura do seu pai. A televisão ligada no seu quarto transmite notícias em
directo e relata os eventos do que parece ser uma epidemia, um vírus que se
alastra e que transforma as pessoas, mudando radicalmente o seu comportamento,
tornando-as agressivas, animalescas. O medo começa a sentir-se quando as
explosões e os gritos de desespero começam a ocupar o silêncio da noite. Joel,
Tommy e Sarah procuram fugir e proteger-se do perigo do desconhecido que assola
a cidade. Sem informação ou qualquer tipo de rumo, os acontecimentos sucedem-se
em catadupa neste primeiro capítulo, servindo o propósito de mostrar ao jogador
como tudo aconteceu. Interessante perceber que este capítulo ao invés de ser
jogável poderia muito bem ser resumido numa cut-scene
ou numa sequência introdutória que contextualizasse o tempo, o espaço e acção
do jogo. Contudo, a Naughty Dog apostou num capítulo introdutório jogável,
marcando aqui uma importante diferença, dando ao jogador a possibilidade de
imergir na virtualidade e experienciar em tempo real o ritmo crescendo da sua
ficção.
20 anos depois, novamente um novo acordar, mas
desta vez é Joel numa nova realidade. A América que conhecemos já não existe. Existe
sim diferentes zonas de quarentena que mantêm os cidadãos não infectados dentro
dos limites físicos do espaço, havendo uma nova ordem que procura manter a
estabilidade necessária para um funcionamento em comunidade. Ao nível narrativo,
surge aqui uma elipse que nos faz avançar propositadamente no tempo mantendo as
perguntas em aberto. O que aconteceu verdadeiramente? Joel é agora um
contrabandista que, juntamente com Tess (supostamente sua parceira) envolve-se
em pequenas missões de troca de favores algo dúbios. A explicação aqui também
não é clara ao contrário dos sinais do tempo que marcam a expressão
carrancuda e fechada no rosto de Joel.
“Guess
what, we're shitty people Joel it's been that way for a long time...”
Uma das missões passa por levar uma rapariga de 14
anos em segurança para um outro ponto da cidade. É aqui que conhecemos Ellie e
tudo muda. A história passa a centrar-se numa relação em torno de Joel e Ellie. O que começa por ter como base um termo de compromisso e responsabilidade acaba
por se desenvolver em algo mais com a progressão do jogo. Embarcamos numa
longa viagem durante o período de um ano por vários estados da América, onde
temos a possibilidade de testemunhar uma relação de confiança, amizade e amor
que vai crescendo ao longo do jogo. Ellie e Joel são duas personagens com
personalidades completamente distintas mas que são “obrigadas” a conviver e a
aprender a encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois. Ellie, vai-se
tornando mais selvagem, com instintos de sobrevivência mais apurados, ao mesmo
tempo que vai tornando Joel mais vulnerável a sentimentos e emoções, mais
preocupado com as consequências das suas acções, mais consciente, em suma, mais
humano. É nesta relação que se torna “necessário pensar a paz como sinal, não
duma mediação entre a hostilidade e o amor, mas como lugar do encontro, onde a
bondade é a primeira linguagem. A liberdade só pode ganhar sentido dentro deste
estrito sentido da fraternidade e da responsabilidade para com o outro, de um
pelo outro” (Veríssimo, 2004: 36).
Uma palavra de apreço ao magnífico trabalho de
representação por parte de Troy Baker no papel de Joel e, sobretudo, Ashley
Johnson no papel de Ellie, conseguindo preencher a construção de uma personagem
virtual conferindo-lhe a alusão de sentimentos reais. Aqui, entra também o
notável trabalho de Gustavo Santaolalla na criação da banda sonora do jogo. A
sonoridade acústica no dedilhado da guitarra proclama a verdadeira essência de
cada uma das notas. É possível ouvirmos o som do deslizar dos dedos no braço da
guitarra entre notas, conferindo à melodia um cunho pessoal diferente, mais
próximo, mais autêntico. São estes sons que transmitem uma certa dose de magia às imagéticas do jogo complementando,
muitas vezes, inúmeras sequências, explorando a polissemia das imagens no que
respeita às suas carências expressivas. “Se a música
é considerada uma linguagem, é porque a modulação segue passo a passo as
unidades verbais de sentido, por uma espécie de contaminação e, num certo sentido, que não deixa de ser
metafórico, a modulação pode ser dita uma
linguagem universal de sensações” (Gil, 2010: 32). A música de Santaolalla dá alma à virtualidade do jogo, cria constantes
pontes de ligação que ajudam a transpor uma maior profundidade à nossa interpretação
pessoal.
“You're treading on
some mighty thin ice here…”
The Last of Us Remastered é enorme, com muitos
momentos de acção e outros de introspecção. A Naughty Dog soube como trabalhar da melhor forma os diferentes ritmos do jogo, convidando constantemente os
jogadores a explorarem a seu bel prazer os pequenos pormenores que a narrativa oferece. O mundo virtual está
repleto de informação e manuscritos que procuram complementar algumas falhas da
história e dar aos jogadores pistas e relatos sobre as duas décadas que se
sucederam após o aparecimento do vírus que conduziu à destruição e à quase
dissipação da humanidade. Nestes momentos de maior introspecção, Joel, mais
conservador e preocupado, e Ellie, mais curiosa e irrequieta, interagem entre si
de forma natural, começando muitas vezes com conversas à medida que vamos
explorando com eles os cenários. É aqui que percebemos que estamos a assistir a uma
relação de duas gerações que nasceram e cresceram em duas realidades
completamente distintas. Uma que perdeu tudo o que tinha e conhecia e que teve
que aprender a viver numa nova realidade pós epidemia e uma outra que nasceu e
cresceu nessa nova realidade e que não sabe o que é ter vivido num tempo de
rotinas diárias. O jogo dá-nos inúmeras oportunidades e tempo para podermos desbravar alguns factos e curiosidades que surgem nos diferentes tipos de interacção entre Joel e Ellie.
A estética do jogo é incrível. As suas imagens ajudam
a definir claramente um modo de ver mais atento, mais pausado. Não só dão maior
profundidade descritiva como também contam micro histórias que complementam a
história principal do jogo. “Comunicar pela imagem (mais do que pela linguagem)
vai necessariamente estimular no espectador [neste caso jogador] um tipo de expectativa específico e diverso daquele
que uma mensagem verbal estimula” (Joly, 2008: 68). Olhar e interpretar as
imagens que vamos desvendando no jogo, acaba por ter um maior impacte a longo
prazo, mesmo depois de o terminarmos. “O que importa compreender não é a situação inicial do discurso, mas o que aponta para um mundo possível, graças à referência não ostensiva do texto” (Ricoeur, 2013: 122). As imagens, neste jogo, superiorizam-se ao
texto, às legendas, aos diálogos. São as imagens que nos fazem prender o olhar.
A sua abertura permanente, estimula a criatividade do discurso interpretativo.
São essas imagens que guardamos, que ficam na nossa memória.
Os cenários do jogo mostram os sinais que ainda
restam de uma civilização “engolida” literalmente pela natureza, numa espécie
de desordem ecológica, na qual é possível verificar os destroços dos edifícios
repletos de vegetação. Existe nesta simbiose uma estranha beleza que nos remete
para uma alusão metafórica no que respeita ao confronto interno dos aspectos
racionais e emocionais que estão intrinsecamente ligados tanto ao nosso lado
mais humano como selvagem. “Passamos de uma ordem humanística a uma ordem
cósmica e nesta, o homem é um elemento e provavelmente o elemento menos
simbiótico, menos harmonioso, porque a sua acção conflitua demasiado com o meio
que o rodeia” (Veríssimo, 2004: 17) pois está na natureza do ser humano uma inquietante
tendência de destruir em pouco tempo aquilo que demorou anos a criar. Uma
célebre afirmação de Jonas Edward Salk (1914-1995), médico norte americano, vem
no seguimento desta ideia: “Se todos os insectos desaparecessem da Terra,
dentro de 50 anos toda a vida na Terra acabaria. Se todos os seres humanos
desaparecessem da Terra, dentro de 50 anos todas as formas de vida
floresceriam.”
“You know, as bad as those things are, at least they're predictable. It's the normal people that scare me.”
Existem dois tipos de inimigos que representam
ameaças no jogo. Os infectados e os não infectados. Os infectados, um pouco à
semelhança do que aconteceu noutros videojogos da saga Silent Hill por exemplo, apresentam uma clara alusão às figuras
deformadas nas pinturas de Francis Bacon, apresentando variações no seu
comportamento, acções, fisionomias, resistência e força. Os não infectados,
sobreviventes como Joel e Ellie, deambulam no mundo virtual com diferentes
motivações. Pessoas imprevisíveis que não olham a meios para atingir os seus
fins, que não possuem valores morais ou qualquer tipo de sensibilidade humana,
que atacam para se defender e que matam para sobreviver mais um dia neste
mundo perigoso, cruel e cada vez mais desumano. Aqui, mais uma vez, uma crítica
clara à podridão de uma sociedade sem rumo nem regras que demonstra a
imprevisibilidade do ser humano quando colocado em situações extremas. Um
aspecto curioso do jogo deve-se ao facto de nunca vermos infectados a atacarem outros
infectados, mas lidamos em quase todos os capítulos com confrontos entre
pessoas não infectadas. Nos últimos capítulos do jogo as grandes ameaças são
mesmo os humanos.
"That
was plan A, B, C all the way to f******* Z!"
As decisões, em The Last of Us Remastered, nunca são fáceis. As munições são
escassas e os items que apanhamos no
mundo virtual do jogo podem ser combinados para a criação de diferentes objectos.
Contudo, e dependendo do grau de dificuldade em que jogamos, é
preciso pensarmos que tipo de objecto queremos criar consoante as necessidades
a curto prazo. Muitas vezes, o jogo coloca-nos propositamente em situações nas
quais temos que ser rápidos a pensar se queremos criar, por exemplo, um health kit por termos pouca energia, ou
criar um cocktail molotov para arremessar aos inimigos que se encontram à nossa
frente. Podemos criar um health kit e tentar eliminar os inimigos silenciosamente um a um, ou criar um cocktail molotov e tentar atirá-lo de
forma a atingir todos os inimigos que se encontram na mesma divisão que nós. O pensamento estratégico depende do jogador. Numa
outra situação, Joel tem uma bala na pistola que pode conservar ou disparar a
uma pessoa recentemente infectada pelo vírus que se encontra presa nos
destroços e que pede desesperadamente a Joel para o matar. Aqui o jogo entra
em confronto directo com os valores emocionais do jogador, que acabam por ter
influência na personalidade de Joel. Colocamos a nossa própria vida em risco
para salvar uma outra? Somos humanos ou selvagens? Todas as decisões que
tomamos não mudam o desenrolar da história mas têm um impacto radical na
experiência que nós jogadores
conseguimos retirar do jogo.
“To the edge of the
universe and back, endure and survive...”
No decorrer de um ano (tempo do jogo), passamos
pelas quatro diferentes estações que "emprestam" aos cenários uma variedade
assinalável de distintas condições atmosféricas. No inverno, por exemplo, os
cenários estão repletos de neve e torna-se mais difícil ver o que se encontra à
nossa frente. Esta variável poderá parecer à partida uma desvantagem mas também
introduz uma vantagem pois os inimigos têm dificuldade em detectar a
nossa presença, dando aos jogadores a oportunidade de delinearem estratégias defensivas e/ou ofensivas de sucesso em
relação aos confrontos que vão surgindo. É precisamente durante o inverno que
controlamos Ellie. Esta mudança é temporária mas permite aos jogadores ter uma
outra perspectiva em relação a determinadas interacções no mundo virtual do
jogo. A própria fisionomia de Ellie é diferente da de Joel. Por um lado tem a
desvantagem de não ter tanta força ou aptidões, mas por outro,
tem a vantagem do ser mais pequena e ágil o que revela ser uma mais valia em
determinadas partes do nível, sobretudo, para evitar confrontos desnecessários.
“I
guess no matter how hard you try, you can’t escape your past.”
Na parte do final do último nível, e sem querer
estragar a surpresa da descoberta, foi-me possível experienciar uma espécie de
dejá vu que me remeteu novamente, ainda que por breves momentos, para o
primeiro capítulo onde tudo começa e se altera na vida de Joel. Uma sequência
que procura ao mesmo tempo fechar um ciclo na vida de Joel e abrir perspectivas
de que talvez daqui para a frente as coisas possam ser realmente diferentes e
que o final talvez não seja assim tão mau como poderia à partida parecer. A
beleza da poética presente no discurso da parte final do jogo não requer de
nós, fruidores da obra, ter uma certeza clara sobre a sua dissolução. “A
natureza deste discurso, a sua possibilidade de ser entendido de múltiplas
maneiras e de estimular soluções diferentes e complementares é o que podemos definir como abertura de uma obra
narrativa: na recusa do enredo realiza-se o reconhecimento do facto de que o
mundo é um nó de possibilidades e de que a obra de arte deve reproduzir esta
característica” (Eco, 2009: 214).
“Everyone
I have cared for has either died, or left me. Everyone—fucking except for you!
So don't tell me I would be safer with somebody else, because the truth is, I
would just be more scared.”
Assistimos assim a uma redenção improvável só
possível e desculpável quando testemunhamos uma protecção desmedida e afecto
quase paternal que parecia ter sido esquecido por Joel. Um afecto que foi sendo
construído a um ritmo pausado ao longo de todo o jogo e que culminou numa
sequência final de revolta e de desespero em busca da sua salvação pessoal – a
própria Ellie. As decisões nunca são fáceis e aquilo a que assistimos e
acabamos invariavelmente por apoiar é a decisão final de Joel, que ao parecer
revelar egoísmo só demonstra que nunca deixou de sentir, nunca deixou de ser
humano. Atingiu, com Ellie, o tal ponto de equilíbrio necessário para uma maior
estabilidade emocional, encontrando nela a razão primordial para contornar os
problemas e dificuldades e dar sentido à sua própria vida. “O ser si mesmo é
(...) amar o próximo. O amor é assim uma resposta a um imperativo, o não
esperar um agradecimento” (Veríssimo, 2004: 46).
“I've struggled a
long time with survivin', but no matter what you have to find something to
fight for.”
Apelidado por muitos críticos e jornalistas como o
Citizen Kane dos videojogos, The Last of Us é, sem dúvida, uma obra
que terá lugar cativo na lista dos melhores títulos de sempre da indústria. A força
da obra reside, tal como em Citizen Kane,
na profundidade imagética que enaltece os pequenos pormenores que chama a
atenção sobre si mesma e que dão sentido ao todo da experiência (Schneider,
2003: 172). Em suma, é uma experiência cinematográfica jogável que conta uma história de amor, perda e
esperança. É uma história dura, crua e feia que se desenrola numa América
destruída pelo caos, pelo medo e desconfiança que se foi fomentando ao longo de
duas décadas. É uma história sobre sobrevivência e sobre os valores morais que
nos distingue enquanto humanos e que tanto procuramos prezar ao longo da nossa
vida. É uma história que evita dar respostas concretas, mas sim fomentar
constantes e pertinentes perguntas sobre a
importância que damos às nossas acções e, principalmente, sobre as
consequências que delas advêm.
“Let’s just wait it out, y’know, we can be all poetic and
just lose our minds together.”
É uma história que nos relata um confronto de
gerações completamente distintas, mas que se vão conhecendo e criando uma
relação de afecto e protecção, que cresce, amadurece e perdura até ao final da
experiência. É um confronto de relações humanas que nos faz acreditar ser
possível saber lidar, mesmo em situações de extremo absoluto, com o valor da vida,
dos sentimentos e da memória, essa capacidade que nos é intrínseca de
armazenarmos as nossas vivências, experiências, cultura – aquilo que verdadeiramente
distingue os humanos dos animais. É, sobretudo, um ensaio sobre os confins da
natureza humana que julgamos (des)conhecer.
____________________________
Referências bibliográficas:
ATKINS, Barry
(2003), More Than a Game – The Computer
Game as Fictional Form, Manchester, New York: Manchester University Press.
ECO, Umberto
(2009[1962]), Obra Aberta, 2ª Edição,
Lisboa: DIFEL.
GIL, José
(2010), A Arte Como Linguagem – A Última
Lição, Lisboa: Relógio D’Água Editores.
JOLY, Martine
(2008[1994]), Introdução à Análise da
Imagem, Lisboa: Edições 70.
RICOEUR, Paul
(2013), Teoria da Interpretação – O
Discurso e o Excesso de Significação, Lisboa: Edições 70.
SCHNEIDER,
Steven Jay, ed. (2005), 1001 Filmes Para
Ver Antes de Morrer, 2ª Edição, Lisboa: Dinalivro.
VERÍSSIMO, André
(2004), A Crise do Homem – Uma Ética do
Tempo Comum, Porto: Estratégias Criativas.